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Nº 1703 - Ano 36
26.7.2010

Vozes de todos os cantos e tempos

Editora UFMG relança obra de Paul Zumthor que oferece panorama das poéticas orais

Itamar Rigueira Jr.

Cantos de trabalho e de morte, repentistas e bardos, shows de rock e de rap – nada escapou aos ouvidos e à sensibilidade de Paul Zumthor, um dos maiores pesquisadores das poéticas orais de todos os cantos e de todos os tempos. Seu livro Introdução à poesia oral, lançado pela primeira vez em 1983, ganha nova edição em português (a primeira foi em 1997), agora pela Editora UFMG.

A poesia oral de que trata o autor abrange as mais diversas manifestações artísticas que têm a voz como matéria-prima. “Zumthor não tem posição passadista, não é um folclorista no mau sentido, e tampouco trata a poesia oral como menor, arte espontânea ou ingênua”, elogia a professora da Faculdade de Letras da UFMG Maria Inês Almeida, uma das tradutoras do livro.

Nascido em Genebra, em 1915, Zumthor viveu também na França, na Holanda e no Canadá, onde lecionou na Universidade de Montreal até morrer, em 1995. Autor de muitos livros e artigos, ele foi sobretudo um medievalista, mas viajou muito para observar e descrever manifestações de diversos grupos sociais e etnias.

De acordo com Maria Inês de Almeida, se não é único, o livro é com certeza pioneiro em fazer “quase uma etnografia” da poesia oral. “A obra é muito abrangente e, ao mesmo tempo, contém análise profunda. Zumthor trata as poéticas antigas com pensamento contemporâneo, atualizando a importância das tradições, postas em pé de igualdade com manifestações contemporâneas”, analisa a pesquisadora de literatura indígena e coordenadora do grupo Literaterras, da Faculdade de Letras da UFMG.

Os estudos de Paul Zumthor são valorizados, entre outros aspectos, segundo Maria Inês, por tratar qualquer poema oral (de um canto sem palavras a um poema escrito) como “obra vocal” e por estabelecer pontos de conexão entre diferentes poéticas, encontradas em pequenos grupos na Mongólia ou consideradas majoritárias na Europa e nos Estados Unidos. “Zumthor encontra na Paraíba ou em Minas ressonâncias de coisas que começaram em pontos longínquos da África”, exemplifica Maria Inês de Almeida.

In loco, no Brasil

A propósito, o autor que propõe a constituição de uma linguística e de uma antropologia da voz – e que também escreveu poesia e ficção – teve oportunidade de estudar bastante as manifestações de poesia oral no Brasil, onde esteve três vezes entre 1977 e 1993. Travou contato com cantadores em feiras nordestinas e assistiu a apresentações de artistas como Caetano Veloso.

Depois de sua primeira visita, “Zumthor passa a se dedicar com insistência às literaturas orais, com a bagagem de um medievalista, mas contando agora com o laboratório vivo de nossa cultura fortemente oralizada”, revela Jerusa Pires Ferreira, anfitriã do autor no Brasil, em texto que fecha a edição recém-lançada.

Pesquisadora da PUC-SP, também tradutora da obra, Jerusa escreve ainda que, a partir de Paul Zumthor, o campo dos estudos das poéticas da oralidade “se firmou em dimensão universal”. Sobre o trabalho do amigo e hóspede reincidente, ela destaca “a noção de movência do texto oral, a ênfase na transmissão da força energética e teatralizante que assumiu como performance, no sentido bem definido do texto em presença, a ampliação do próprio conceito de texto e de literatura que foram indispensáveis para se pensarem as literaturas da voz”.

Livro: Introdução à poesia oral De Paul Zunthor Tradução de Jerusa Pires Ferreira, Maria Lúcia Diniz Pochat e Maria Inês de Almeida Editora UFMG 354 páginas / R$ 53