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Nº 1711 - Ano 36
20.9.2010


Os MISTÉRIOS dos erres e vogais

Pesquisadores da Fale saem a campo para desvendar os diferentes falares de Minas

Itamar Rigueira Jr.

Interferência de Rita da Glória em foto de Aline Dacar
Melina Dias, Maria do Carmo Viegas, Diego Vilaça e Maria Helena Paes: estudos sobre os sotaques mineiros

 

Por que os moradores do bairro da Várzea, em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, pronunciam o erre em determinadas palavras como os habitantes do Sul de Minas? A resposta provável: ali se iniciou pelos bandeirantes a ocupação da área em que se formaria a cidade. Questões e hipóteses como essas determinam a rotina dos pesquisadores do grupo Variação Fonético-Fonológica em Minas Gerais (VarFon-Minas), da Faculdade de Letras (Fale) da UFMG.

Minas Gerais está, ao lado de Tocantins, entre os estados brasileiros em que há maior diversidade nos modos de falar. São quatro variedades, segundo atlas proposto em 1953 pelo linguista e gramático Antenor Nascentes. Mais de meio século depois, os pesquisadores se debruçam sobre a atualização dos mapas, o que tem sido feito por grupos em todo o Brasil.

Na divisão proposta por Nascentes, o falar baiano, no Norte de Minas, é marcado, por exemplo, pelas vogais abertas antes da tônica; o falar paulista ou sulista, no Sul e Sudoeste do estado, tem o erre retroflexo, conhecido pela pronúncia de porta em parte do interior de São Paulo; o fluminense, na região Leste, tem o chiado que lembra o jeito de falar do Rio de Janeiro; e o mineiro, na região central (que inclui a capital), é identificado, por enquanto, por não ter abertura tão frequente na sua pronúncia, nem outros traços generalizados como nos outros.

“Por meio do estudo da linguagem e da sua relação com a sócio-história, conhecemos melhor uma comunidade de fala. Além disso, nosso interesse está nas semelhanças e diferenças em relação ao português europeu e na comparação com as várias regiões do Brasil”, explica a professora Maria do Carmo Viegas, que coordena o VarFon e conta com equipe de sete pós-graduandos. Trabalho de mestrado produzido por Alan Jardel Oliveira – que tratou de variações na região de Itaúna, Centro-oeste do estado – mereceu este ano prêmio da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (Anpoll).

Informantes típicos

Dentro das chamadas áreas dialetais, os pesquisadores do VarFon selecionam as cidades mais significativas e, em seguida, os informantes, que devem ser pessoas nascidas e moradoras do local e que não tenham vivido fora ou viajado muito. Gravações digitais são submetidas à análise de softwares que medem, entre outras características, a duração dos sons.

“O desenvolvimento da fonética acústica, com o surgimento de tecnologias aplicadas, contribuiu muito para o aprofundamento dos estudos sobre a fala”, afirma Maria do Carmo Viegas. Segundo ela, a fala agora torna-se objeto de investigação da academia, que privilegiou por décadas apenas o estudo da competência linguística.

Estudos como os dos mestrandos Maria Helena Paes e Diogo Vilaça investigam o erre retroflexo em diferentes posições nas palavras. E já descobriram especificidades. “Há cidades em que a pronúncia do erre não varia, em outras ele pode ter diversas realizações. Esse aspecto está relacionado com o estigma ou não a ele atribuído na comunidade de fala”, explica Maria do Carmo Viegas, doutora pela UFMG e pós-doutora pela Unicamp, sempre em Estudos Linguísticos. Outro trabalho do grupo, da doutoranda Melina Dias, pesquisa a abertura em diferentes regiões de Minas e propõe um falar de transição entre mineiro e o baiano, ainda a ser confirmado.

Os estudos das vogais do VarFon pretendem ajudar a explicar a fama dos mineiros de falarem “mole” e ao mesmo tempo “comerem” o final das palavras. As medições confirmam, na comparação com outras regiões, a curta duração das vogais átonas finais e o alongamento da vogal tônica. “Parece um paradoxo, mas as duas características estão presentes em posições diferentes na palavra”, atesta Maria do Carmo.