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Nº 1734 - Ano 37
18.04.2011


Poema é pintura, pintura é poema

Pesquisa de mestrado na Fale revela relações entre imagem e texto na obra do argentino Xul Solar

Tela Grafia antica, de 1939
Tela Grafia antica, de 1939, é de fase marcada por grafias herméticas: Xul Solar passa a privilegiar o plástico sobre o semântico

Itamar Rigueira Jr.

Ele começou criando textos-legendas para suas pinturas e chegou a conceber idiomas e alfabetos cujos signos recebiam tratamento plástico e lugar central em suas telas. Dono de uma das produções mais significativas da vanguarda latino-americana, o argentino Alejandro Xul Solar (1887-1963) ganha o primeiro estudo acadêmico no Brasil a privilegiar, especificamente, as relações entre pintura e escritura em sua obra. Yara Augusto, que defendeu dissertação em fevereiro, na Faculdade de Letras (Fale), elaborou divisão em fases da trajetória pictórica de Solar.

Segundo a pesquisadora, o artista de talento múltiplo enveredou por áreas como a arquitetura e a música, mas ela focou seu trabalho na imbricação de texto e imagem. “Abordo desde o início da aproximação de figuras e palavras até o momento em que tudo converge em uma expressão única: pintura é poema e poema é pintura”, conta Yara Augusto.

Ela acrescenta que Xul Solar não acreditava que pintura e literatura deveriam competir. Não havia interdições para a aproximação entre as linguagens na busca de novas formas artísticas e mecanismos de comunicação. Filho de mãe italiana e pai alemão, o artista foi fruto, na visão de Yara, da chamada “cultura da mescla”, que marcou a Argentina do início do século 20.

Doze anos passados na Europa contribuíram para suas reflexões sobre a identidade latino-americana e para que ele elaborasse seu projeto de renovação estética. “Para unir as nações do continente frente ao domínio da produção cultural europeia, o artista criou o neocriollo, idioma que misturava espanhol, português e inglês”, revela Yara Augusto.

Xul Solar vivia intensamente o idioma: conversava e escrevia em neocriollo, e usava as palavras em suas pinturas, o que denunciava a influência de movimentos como Cubismo e Expressionismo. Conhecedor de 11 línguas, inventou ainda um segundo idioma, de caráter universal, a panlíngua. “Essa faceta mostra seu gosto pela manipulação de linguagens, pelo deslocamento do significante”, diz Yara.

Quatro fases

A aproximação de texto e imagem na obra de Alejandro Xul Solar rege a divisão de sua produção em quatro fases, de acordo com o trabalho de Yara Augusto. A primeira é a da pintura legendada: ele encaixava suas pinturas em cartões e punha nas bordas títulos e assinaturas que influenciavam a fruição da obra. Na fase da pintura verbal, a escritura passou a avançar para o centro da obra. “O texto se torna personagem e a pintura adensa seu caráter narrativo, ao representar mitos pré-colombianos, por exemplo”, conta a pesquisadora.

Os trabalhos da terceira etapa delimitada pela dissertação são dominados pela escritura, composta de grafias herméticas. “Sobressai aí a fisicalidade da linguagem, ele passa a ressaltar o significante e ofuscar o significado. O que era semântico se torna sobretudo plástico”, define Yara.

Na última fase de sua produção, Xul Solar resgata as características das etapas anteriores numa “escritura pictural singular”, de acordo com a pesquisadora. Pouco antes de morrer, o artista desenvolveu alfabetos muito pessoais, e seus quadros de então podem ser compreendidos como poesia visual. “Ele escolhia textos que traduzia para o neocriollo e, daí, para os novos alfabetos gráficos, que ganhavam tratamento plástico”, explica Yara.

A capacidade de criação de Xul Solar se materializou também numa tabela de correspondência entre as artes e num jogo-dicionário da panlíngua, elaborado sobre um tabuleiro que combina signos diversos – letras, números, notas musicais, cores, entre outros. “O Panajedrez é um objeto artístico sincrético, espécie de tábua de conhecimento que projeta uma escritura pansemiótica. Obra labiríntica como a literatura de Jorge Luis Borges, que foi seu vizinho e amigo”, conclui Yara Augusto.

Dissertação: Por uma escritura pictural: texto e imagem na arte de Alejandro Xul Solar
De Yara dos Santos Augusto Silva
Orientada por Vera Lúcia de Carvalho Casa Nova
Programa de pós-graduação em Estudos Literários, na Fale
Defendida em 24 de fevereiro de 2011