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Nº 1742 - Ano 37
13.6.2011

APOSENTADORIA, que NADA

Itamar Rigueira Jr.

Nos últimos tempos, com a aproximação da aposentadoria compulsória, marcada para o final de 2010, ele chegou a ficar muito preocupado. Imaginava-se de pijama, longe da pesquisa e do debate com colegas e discípulos. Não, não era hora de parar. E se ofereceu como professor voluntário. Foi aceito e ainda recebeu convites para os cargos de assessor especial do reitor Clélio Campolina e diretor-executivo do Ipead, fundação da UFMG dedicada às pesquisas econômicas, administrativas e contábeis. “Não tenho do que reclamar”, reconhece José Alberto Magno de Carvalho, comemorando o ritmo intenso que continua marcando sua vida na UFMG.

A inquietação desse mineiro de São Vicente de Minas, na região do Alto Rio Grande, é compreensível. Lá se vão nada menos que 50 anos desde o dia em que entrou pela primeira vez numa sala da Universidade, como aluno de Economia. Só sairia por três anos para o mestrado e o doutorado em Londres, no início dos anos 70. Feliz com a nova velha rotina, ele protesta contra a aposentadoria compulsória. “Muitos não têm a chance que eu recebi e deixam de contribuir aos 70 anos, quando ainda têm capacidade. Não podemos nos dar a esse luxo”, indigna-se.

Mais velho de 11 irmãos, de família com poucos recursos, José Alberto encontrou a possibilidade de estudar ao internar-se em seminários maristas, onde permaneceu por oito anos antes de se decidir pela economia. Durante a graduação, o salário mínimo de programa de bolsas da Face permitiu que ele deixasse o trabalho como contínuo de banco. Formado, em 1964, integraria um dos primeiros grupos de economistas a dar aulas na Face, que até meados dos anos de 1950 tinha apenas matemáticos, advogados e engenheiros como professores. “Essa mudança fez com que, em pouco tempo, nosso curso passasse a ser considerado o melhor do Brasil”, conta o professor.

Mas, ainda nos anos 60, havia outro obstáculo a superar: os salários não eram suficientes para sustentar a dedicação integral dos professores. Foi daí que nasceu o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), iniciativa que dividiu com cinco colegas, entre eles Fernando Roquete Reis e o ex-ministro Paulo Haddad.

‘Doutor Demografia’

O início da trajetória do Cedeplar marca o engajamento de José Alberto Magno de Carvalho com a demografia, área que se confunde, e não apenas no Brasil, com o nome do professor emérito da UFMG. O mestrado em economia ganhou uma concentração em demografia econômica, e mais tarde esse campo ganharia uma pós stricto sensu, reconhecidamente “a mais consolidada da América Latina”, segundo o professor.

Antes disso, a temporada na London School of Economics faria de José Alberto o primeiro mestre e doutor em demografia no país. “Na transição das décadas de 60 e 70, havia a convicção no Brasil de que continuaríamos a viver uma explosão demográfica. E os neomalthusianos garantiam que o país não se desenvolveria porque os recursos teriam que ser transferidos do investimento produtivo para as crianças. Defendiam o controle de natalidade. Eu era contra essa medida por princípio, e estava ao lado dos que achavam que o desenvolvimento econômico era exatamente o que resultaria na queda da fecundidade.”

Contra as expectativas dos dois lados do debate, a fecundidade passou a cair, e José Alberto foi um dos primeiros a reconhecer o fenômeno. Mas também se surpreenderia mais tarde com a velocidade do processo. E desde os anos 80 ele chama a atenção para a necessidade de a sociedade se preparar para o importante aumento relativo da população de idosos. “Fomos criados pensando em explosão demográfica. E ainda é recente o reconhecimento, por parte de governos e estudiosos, do tamanho do desafio que representa uma população que caminha para mais de 15% de idosos daqui a 20 anos”, afirma José Alberto.

Foca Lisboa

Vocação para gestão

Diretor da Face por dois mandatos e do Cedeplar por quase 20 anos não consecutivos (“já me compararam a Fidel Castro”, ele brinca), José Alberto Magno de Carvalho é referência na UFMG também como gestor. Integrou por muitos anos o Conselho Universitário, como decano substituiu reitores e coordenou comissões especiais em situações de crise.

Orgulha-se de ter participado desde o início da Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD), que desempenha, segundo ele, papel fundamental. “A comissão disciplinou a distribuição de vagas por unidade e hoje a Universidade tem tradição de tratar com seriedade essa questão”, afirma. Sua postura inicial nesse campo é motivo de autocrítica. “Éramos idealistas, mas também muito rígidos. Aprendemos que a sabedoria deve aliar prudência e firmeza”, comenta José Alberto.

E a sabedoria é uma das qualidades de José Alberto Magno de Carvalho, na visão do professor Antonio Carlos Ferreira de Carvalho, a quem sucedeu no cargo de diretor do Ipead. “Ele sabe ouvir e tem grande capacidade de aconselhamento, além de ser solidário e comprometido com as pessoas”, elogia ele, hoje diretor adjunto do Instituto.

Com certeza, trabalho é o que não falta ao recém-aposentado, que nem deu tempo aos sete netos – de quatro filhos – de se acostumarem com o vovô de pijamas dentro de casa. Sorte dos peixes do Alto Rio Grande, onde José Alberto tem um sítio, e continuará frequentando como pescador nas (poucas) horas vagas.