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Nº 1769 - Ano 38
2.4.2012

Olhos da razão

Obra de Filosofia recém-lançada pela Editora UFMG propõe conciliação entre as realidades perceptível e a inteligível

Gabriella Praça

Não há separação rígida entre o sensível e o inteligível. Ao perceberem que vinham propondo interpretações convergentes de questões suscitadas pela leitura de autores da Antiguidade, os professores de Filosofia da UFMG Miriam Campolina Diniz Peixoto, Marcelo Pimenta Marques e Fernando Rey Puente decidiram reunir os resultados de suas pesquisas no livro O visível e o inteligível: estudos sobre a percepção e o pensamento na filosofia grega antiga. Recém-lançada pela Editora UFMG, a obra reúne textos dos três estudiosos produzidos nos últimos cinco anos no âmbito do Grupo de Filosofia Antiga.

“A ideia de dualismo é muito frequente nos manuais, mas, quando analisamos textos dos antigos pensadores, percebemos que as coisas são mais complexas”, observa Rey Puente. “Há profunda imbricação entre as esferas do pensamento e da experiência sensível, e é essa relação que buscamos explicitar no trabalho”, completa. Para o pesquisador, manuais de Filosofia perpetuam equívocos como a separação entre “mundo sensível” e “mundo das ideias”, tradicionalmente atribuída a Platão, apesar de não haver referência a isso em sua obra. “Como não existia o termo ‘mundo sensível’ no grego de Platão, essa concepção não pode ser considerada platônica, mas uma interpretação posterior” esclarece.

A articulação entre sensível e inteligível se verifica, por exemplo, na interpretação do pensador para a visão. De acordo com Marcelo Marques, para Platão, a visão vem de um fogo proveniente do olho que, ao encontrar o fogo oriundo do objeto que é visto, forma uma imagem, enviada para a psique. Assim, a visão acontece quando a alma recebe essa mensagem resultante do toque dos dois fluxos. “Logo, não é simplesmente o corpo que vê, mas o psiquismo, já que a mente associa o objeto visível a essa percepção sensível”, salienta Marques.

Aristóteles também analisa o fenômeno da visão, a partir de perspectiva similar. Segundo Rey Puente, o filósofo se preocupa em discernir os órgãos sensoriais, e considera que o olho, por exemplo, tem sensibilidade própria, a cor. Assim, no caso da visão, o produto resultante da percepção é a forma da cor apreendida no olho do sujeito, mas não sua matéria. “Aristóteles faz análises complexas para mostrar como esses sentidos individuais se coordenam num sentido comum”, conta.

Já os pré-socráticos Parmênides, Heráclito e Demócrito, cujo pensamento é objeto de estudo da professora Miriam Peixoto, foram considerados, na História da Filosofia, como importantes críticos da percepção sensível. Para Miriam, no entanto, a leitura acurada dos testemunhos e fragmentos que chegaram aos dias atuais indica que não há uma negação dessa forma de percepção, uma vez que o processo de conhecimento e de pensamento não poderia acontecer unicamente a partir da atividade intelectiva. Em vez disso, o que eles propõem é aprofundar e aprimorar o conhecimento que se pode ter das realidades sensíveis, de forma a fundamentá-lo por meio da operação intelectiva que, ao permitir o acesso à dimensão invisível das coisas, deixa sua face visível ainda mais evidente. “No caso desses filósofos, o que se observa não é uma espécie de recusa de toda percepção sensível, mas a afirmação de sua necessária submissão à atividade do intelecto, que, ao ir além da percepção, enriquece nosso conhecimento da realidade”, afirma.

Na fonte

Interpretar obras escritas na Antiguidade é um desafio para pesquisadores contemporâneos, já que é preciso compreender os conceitos no contexto histórico em que foram utilizados. Segundo Rey Puente, “liberdade”, por exemplo, era um termo eminentemente político – referindo-se ao cidadão livre, em oposição ao escravo –, mas adquiriu outras conotações ao longo do tempo. Isso força o pesquisador a confrontar o contexto da época com sua própria realidade. “Muitas vezes, a palavra teve origem no mundo grego, mas o sentido atual é outro”, adverte Puente. Por isso, a pesquisa no Grupo de Filosofia Antiga é feita em parceria com professores de língua e literatura grega do Núcleo de Estudos Antigos e Medievais da Faculdade de Letras da UFMG.

Obra: O visível e o inteligível: estudos sobre a percepção e o pensamento na filosofia grega antiga
Autores: Miriam Campolina Diniz Peixoto, Marcelo Pimenta Marques e Fernando Rey Puente
Editora UFMG
151 páginas