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Nº 1875 - Ano 40
08.09.2014

Em busca da verdade

UFMG vai colaborar com a comissão instalada em Minas para esclarecer violações de direitos humanos durante períodos autoritários

Itamar Rigueira Jr.

A UFMG, por meio de seus arquivos e do trabalho de pesquisadores de diversas áreas, vai se unir aos esforços da Comissão da Verdade em Minas Gerais para esclarecer situações de violação de direitos humanos durante períodos autoritários no Brasil. O reitor Jaime Ramírez e a coordenadora da Comissão, Maria Celina Pinto Albano, firmaram, no dia 3 de setembro, protocolo de intenções que estabelece as linhas gerais da iniciativa.

A cerimônia de assinatura, que foi breve e marcada por tom informal, reuniu ainda a vice-reitora Sandra Goulart Almeida, as integrantes da Comissão Maria Céres Spínola Castro, professora aposentada da UFMG, e Emely Vieira Salazar, dirigentes da Universidade e coordenadores de grupos de pesquisa. Alguns dos grupos e pesquisadores – como o Projeto República, coordenado pela professora Heloísa Starling, e Rodrigo Patto Sá Motta, da Fafich, mantiveram contatos preliminares com a Comissão da Verdade.

Jaime Ramírez ressaltou que a UFMG tem muito a contribuir com os trabalhos da Comissão. “Vamos nos empenhar no que estiver a nosso alcance para fornecer informações, de forma oral e documental, que ajudem a esclarecer e dar satisfação à sociedade sobre situações que envolveram instituições e pessoas, muitas delas nossos alunos, professores e servidores”, disse o reitor. Ele acrescentou que um dos próximos passos será a definição das formas de compartilhamento das informações em poder da UFMG e dos núcleos de pesquisa.

Celina Albano lembrou que a parceria com a UFMG é fundamental porque a instituição viveu intensamente a resistência à ditadura instaurada pelos militares em 1964. “Temos constatado o grande interesse pelo assunto em muitas áreas de trabalho e tenho certeza de que teremos apoio substancial sob a forma de levantamentos e pesquisas”, afirmou a coordenadora da Comissão da Verdade em Minas Gerais, instituída em 2013 por iniciativa do governo do estado e após aprovação da Assembleia Legislativa.

A Comissão, que tem encaminhado acordos similares com outras universidades e instituições como a OAB e a Câmara dos Deputados, produziu nos primeiros meses relatórios preliminares sobre locais de tortura, torturadores, atentados e parlamentares cassados, entre outros temas. Assuntos e fontes Uma das contribuições mais esperadas pelos membros da Comissão da Verdade está relacionada aos dados sobre estudantes atingidos pelo decreto-lei 477, publicado pouco depois do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Ele autorizava processos sumários de expulsão de estudantes universitários, e ainda os proibia de ingressar em qualquer outra instituição por três anos.

“Essa foi uma das medidas mais discricionárias do regime militar, porque não tinha gradação de pena. Há uma lista de alunos punidos em arquivo localizado na Biblioteca Central”, comentou o professor Rodrigo Sá Motta, que desenvolve ampla pesquisa sobre a ação da ditadura no ambiente acadêmico, incluindo as Agências Especiais de Segurança e Informação (AESIs), postos avançados do serviço de inteligência federal nas universidades.

O professor do Departamento de História pretende sugerir à Comissão temas de investigação e fontes de documentos e depoimentos. “Estudantes foram excluídos e professores deixaram de ser contratados ou tiveram bolsas canceladas, entre outras medidas. Ainda há muito trabalho de pesquisa a ser feito, e esse esforço pode embasar atos de reparação simbólica em favor de acadêmicos perseguidos”, afirmou Sá Motta.

O Projeto República da UFMG já começou a repassar informações sobre assuntos como a participação de camponeses na resistência e a estrutura de repressão. De acordo com a professora Heloisa Starling, que coordena o Projeto e assessora a Comissão Nacional da Verdade, a UFMG é parceira indispensável para os esforços da Comissão mineira. “A Universidade é espaço político, muito ligado não apenas à luta contra o regime militar, mas também ao debate sobre democracia. É espaço privilegiado de memória e de produção de conhecimento”, disse Heloisa, ressaltando que a UFMG é a única instituição do gênero que tem memória organizada sobre o período ditatorial pós-1964.

Outra instância que vai colaborar diretamente com a Comissão da Verdade é o Grupo Justiça de Transição, da Faculdade de Direito. A ideia é que seus pesquisadores contribuam não apenas com levantamento e sistematização de dados, mas também no encaminhamento de processos que dependam de tramitação jurídica. “Pretendemos ajudar, por exemplo, na busca de informações de cartório sobre uma casa já demolida no bairro da Renascença que abrigou um centro clandestino de tortura, destinado a pessoas que sequer passavam pelo sistema repressivo oficial”, explica o coordenador do grupo, professor Marcelo Cattoni.