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Nº 1937 - Ano 42
18.04.2016

Entrevista / Luís Miguel de Carvalho

O Pisa gera representações sobre a educação e sobre como ela deve ser dirigida

Ewerton Martins Ribeiro e Luana Macieira

O professor Luís Miguel de Carvalho, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, é um estudioso dos impactos do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), adotado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos sistemas educativos. Convidado do Programa Cátedras Santander de Estudos Ibero-latino-americanos, gerenciado pelo Instituto de Estudos Transdisciplinares Avançados (Ieat), Carvalho chegou à UFMG no fim de março, quando passou a cumprir uma agenda de seminários, cursos para alunos de
graduação e pós-graduação e conferências. A temporada se encerra no dia 25.

Na entrevista a seguir, o professor fala sobre a relevância do Pisa para a definição de políticas de educação adotadas pelos países que participam da avaliação e sobre as limitações do programa, incapaz, em sua análise, de contemplar fatores que transcendem a escola.

Quando surgiu esse exame que avalia a educação em âmbito mundial?

As grandes avaliações internacionais, feitas por meio de provas aplicadas aos estudantes, começaram a ser realizadas de modo sistemático no início dos anos 1960. O objetivo era compreender o modo como os sistemas educativos lidavam com suas propostas de qualificação dos alunos, além de fornecer aos decisores políticos conhecimentos sobre os melhores sistemas e suas soluções. O primeiro Pisa foi realizado em 2000, e hoje o teste busca produzir um conhecimento relacionado e comparado no âmbito da educação.

Qual é o seu alcance?

Ele é aplicado em mais de 60 países e cobre 90% da economia mundial. Na visão da OCDE, trata-se de dispositivo importante para se observar o desempenho dos sistemas educativos. Na linha de outros trabalhos realizados no âmbito da investigação educacional, procuro apresentá-lo e analisá-lo como instrumento usado pela OCDE para concretizar uma intervenção reguladora sobre as políticas educativas nacionais.

O Pisa é aplicado em países com economias, culturas e sistemas políticos diferentes. O exame é capaz de levar em consideração as especificidades de cada ambiente?

Essa é uma das principais críticas a esse tipo de prova padronizada. Há uma impossibilidade de comparar o que é incomparável, devido a contextos culturais, sociais e políticos distintos. Precisamos entender o Pisa não só como um teste, mas como um instrumento capaz de gerar um conjunto de representações sobre a educação e como ela deve ser dirigida. Ele é um dispositivo político, porque incorpora visões da educação e constrói uma forma de regular a educação em nível internacional.

Como o Pisa pode ser usado na melhoria da educação dos países participantes?

Trata-de de uma decisão que cabe aos atores da educação de cada país, de cada comunidade de conhecimento. São eles que definem se vão usar e o que fazer com os dados. O que é interessante, para mim, é conhecer o que fazem efetivamente. Devemos ir além e promover um questionamento que comumente não ocorre. São conhecidos vários efeitos do exame na formulação de políticas públicas nacionais, incluindo elaboração dos currículos, avaliação dos alunos e formação dos professores. As políticas acabam vinculadas ao resultado do Pisa, e, ao mesmo tempo, os governos nacionais levam o exame em consideração quando se espelham em outros países para criar as suas políticas. Na Alemanha, um mau desempenho no Pisa gerou reposicionamento das suas políticas públicas. Além disso, muitos países passaram a contemplar, em suas metas de educação, a prova internacional. No caso do Brasil, o novo plano nacional de educação tem uma estratégia que associa o desempenho dos alunos no exame a uma das suas metas.

Que ressalvas o senhor faz aos exames internacionais de avaliação de estudantes?

Uma das ficções gerada pelo exame é a de que a economia de um país e o desempenho dos alunos na prova estão relacionados, ou seja, a ideia de que um influencia diretamente o outro. O Japão é um exemplo dessa ficção, uma vez que se mantém no topo do Pisa há 15 anos, mesmo com sua economia passando por dificuldades. Outra ficção refere-se ao conhecimento e às mudanças que podem ser geradas dos resultados desses testes padronizados. Precisamos considerar que cerca de 60% da variação dos resultados nesse tipo de prova está relacionada a fatores não escolares, como os sociais, culturais e econômicos.

É preciso, então, considerar outros aspectos além do exame...

Não é possível pensar em políticas educativas sem pensar em intervenções fora da escola. Os resultados dos desempenhos dos alunos só vão mudar se o conjunto de fatores que afetam esse estudante também mudar. São necessárias intervenções na escola, mas também fora dela. Políticas orientadas apenas para o currículo e para o trabalho dos professores não são suficientes para alterar o desempenho dos alunos em provas de avaliação dessa natureza.

É possível aprimorar o Pisa para contemplar esses outros aspectos?

Há algumas discussões sobre a criação de um Pisa alternativo. Não sei se isso resolveria as falhas, pois um dispositivo alternativo teria a mesma natureza. O que eu acho importante é considerarmos movimentos que relativizem essas provas. Os sistemas educacionais precisam ser construídos com um olhar para o passado e outro para o presente, mas projetando o futuro. Uma boa forma de se pensar políticas educacionais é olhar para o outro, ou seja, para as experiências de outros lugares.

[Versão ampliada da entrevista foi publicada no Portal UFMG, seção Pesquisa e Inovação, em 11/04/2016]