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Nº 1948 - Ano 42
11.07.2016
Itamar Rigueira Jr.
"Sempre estou buscando, esperando, seja o tempo que for.
A eternidade? Um minuto? Toda a existência para cumprir
o meu papel."
Ana Reis é autora das frases em destaque, que fecham o livro Fragmentos de mulher. Uma obra ainda sem tiragem, sem preço. Mas pronta. O livro foi produzido como trabalho de conclusão do Bacharelado em Letras (ênfase em edição) por Carla Castagnet Vial e apresentado na semana passada, durante defesa do TCC.
Carla lançou mão da experiência que adquiriu em estágio no Laboratório de Edição (Labed) da Faculdade de Letras. Foi lá também que ela estabeleceu contato com Ana Reis. Há cerca de dois anos, a escritora pediu ajuda ao laboratório, e seu sonho coincidiu com a procura da estudante por um tema para o trabalho de conclusão de curso. Em Fragmentos de mulher, Ana Reis escreve em primeira pessoa e reflete sobre como o passado influencia o presente, em sua vida e na de sua família. A ideia surgiu da mistura de acontecimentos como a procura de um novo apartamento e a morte de um neto.
Nascida há 58 anos em Santos Dumont (MG), Ana só completaria o segundo grau (atual ensino médio) com 40 anos. Já vivia em Belo Horizonte, havia trabalhado como empregada doméstica e, em grande parte de sua vida, como costureira. Escreveu o primeiro conto quando precisou ficar em casa após cirurgia no quadril – ela tem um problema congênito na articulação. No ano passado, publicou o livro infantojuvenil As aventuras de Aninha, em A princesa e o urubu (SC Literato).
"Vivo algumas dificuldades, e a edição do meu livro representa para mim o resgate como pessoa. Tenho muita coisa escrita e procurei o laboratório para saber se valia a pena continuar. A parceria com a Carla me deu coragem", diz a moradora do Jardim Vitória, região Nordeste de BH, que tem cinco filhos e quatro netas e se envolve também em ações sociais e no movimento negro.
Os volumes da encadernação artesanal destinados à escritora, à editora e aos membros da banca que avaliou o TCC têm capa dura em papel calandrado 2 mm, costura aparente com cordão encerado, papel Pólen Bold 90 g/m2 no miolo e 112 páginas. A imagem da capa é uma gravura em linóleo feita sobre papel Color Plus pela própria Carla.
A editora criou também uma versão mais econômica, com capa em kraft 420 g/m2 e miolo em papel reciclado. Com o propósito de propiciar autonomia à escritora, tanto o projeto da capa quanto a encadernação artesanal foram idealizados para serem reproduzidos por ela, de maneira independente. Ana Reis, que aprendeu costura artesanal no Labed, costurou seu primeiro exemplar.
Depois de escolher o texto autobiográfico entre diversos enviados por Ana Reis (contos, poemas, histórias infantis), Carla Castagnet fez a editoração do texto, elaborou o projeto gráfico, diagramou, fez a revisão de provas e o acabamento do livro. O mais complexo, ela explica, foi ter clareza sobre até onde intervir no texto, com base no discernimento entre o que era recurso estilístico e o que não era. "Trabalhei com literatura, com uma autobiografia, era preciso perceber o estilo dela e tentar propor apenas alterações que contribuíssem para sua forma de escrever. Conversamos muito, e a maioria das minhas sugestões foi acatada", diz Carla, que pretende repassar à escritora todas as questões tratadas no processo de edição. "Ela é estudiosa e interessada, quer ampliar seus conhecimentos de mundo e conhecer as possibilidades de uso da linguagem para aplicar nos próximos textos."
Autora da sugestão de que Carla editasse o livro de Ana Reis como trabalho de fim de curso, a professora Sônia Queiroz, coordenadora do Labed, lembra que a situação mostra a vocação da Universidade de se abrir a demandas novas. "A formação técnica e acadêmica ganhou um caráter social, na medida em que uma escritora foi capacitada a publicar e até a produzir os próprios livros", diz Sônia.
Numa espécie de preâmbulo a Fragmentos de mulher, Ana Reis fala em esperança, recomeço, escolhas e consequências. O resultado de tudo isso é um simples e belo volume de capa dura, editado com sensibilidade e profissionalismo. Ana se diz realizada, mas sonha mais alto: "Quero tornar meus escritos conhecidos, o que significa vender meus livros. E continuar escrevendo".