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Nº 1959 - Ano 43
03.10.2016

Autonomia orientada

Tragédia de Mariana e a controvérsia sobre a pílula do câncer são abordadas em monografias de pós-graduação em ensino de ciências por investigação

Matheus Espíndola

Organizado na UFMG como curso de pós-graduação lato sensu, o Ensino de Ciências por Investigação (Enci) baseia-se na premissa de que as explicações científicas surgem e se desenvolvem em ambientes de investigação orientada caracterizados pela autonomia discente, refutando, assim, a tradicional imposição verticalizada de conceitos por parte dos professores.

No início de julho, as professoras do ensino médio Adriana Moreira Lima e Ilane Maiara Andrade defenderam, na Faculdade de Educação, monografias sobre experiências de docência utilizando a metodologia de Enci. Ambas foram orientadas pelo professor Márcio Antônio da Silva.

A pesquisa de Adriana Lima teve como tema o desastre ambiental provocado pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco, em novembro do ano passado, em Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana. Ilane Andrade abordou com seus alunos a polêmica relacionada à regulamentação da fosfoetanolamina, conhecida como a pílula do câncer, que teve sua comercialização proibida pelo Ministério da Saúde.

Confrontar informações

De acordo com Adriana, o método de Enci se diferencia do convencional porque confere protagonismo ao aluno. "Ao considerar o posicionamento do estudante diante do problema, estimular que ele pesquise e transforme suas impressões em conhecimento científico, inverte-se a lógica tradicional do ensino, contribuindo para a formação de indivíduos mais críticos e capazes de argumentar", sustenta.

As atividades da pesquisa foram realizadas em uma escola da rede estadual, com alunos de 17 a 19 anos, que cursam o 3º ano do ensino médio, em Águas Claras, distrito de Mariana. Primeiramente, foi aplicado questionário para identificar conhecimentos prévios dos alunos. Em um segundo momento, os alunos assistiram a vídeos sobre as etapas da mineração e sua aplicação no cotidiano. Em seguida, foram estudadas reportagens sobre o rompimento da barragem de Fundão. Por fim, eles analisaram outros textos, tabelas e relatórios.

Uma das etapas da atividade consistiu na apresentação de reportagens jornalísticas para a turma. "O objetivo foi mostrar como as notícias chegam até a sociedade e como a mídia omite alguns fatos. Os alunos diretamente afetados tinham suas opiniões sustentadas nas situações que vivenciaram. Por isso, foram capazes de questionar o posicionamento dos jornais, confrontar informações e agregar novas", relatou Adriana.

Envolvimento

A pesquisa de Ilane Andrade abordou as etapas que devem ser cumpridas para que um medicamento tenha seu uso liberado para comercialização. "Ao incentivar a autonomia dos alunos, foi possível despertar envolvimento e interesse pelo tema da fosfoetanolamina", relata a autora.

O estudo foi desenvolvido com duas turmas do terceiro ano do ensino médio de uma escola estadual em Engenheiro Navarro, no Norte de Minas. O problema foi lançado, e os estudantes, divididos em grupos. Questionamentos como Você ouviu falar do medicamento que está sendo pesquisado no Brasil para a cura do câncer e que tem gerado polêmicas? foram propostos ou apresentados, a fim de aguçar o espírito investigativo e motivar as pesquisas.

As equipes foram instruídas a investigar a estrutura química da fosfoetanolamina, a fase atual da pesquisa com a substância, seu princípio ativo e outras formas de tratamento do câncer. Os alunos também construíram moléculas da substância com materiais como bolas de isopor, palitos de madeira, tinta guache e pincéis.

Na conclusão oral do curso, houve discussões sobre as perspectivas em relação à substância e compartilhamento de opiniões sobre as aulas, definidas pela autora como proveitosas e motivadoras. Quanto à opinião dos estudantes sobre a liberação da substância, houve consenso de que ainda são necessários testes que confirmem sua segurança e eficácia.

Ilane observa que a motivação e assimilação dos conteúdos tenderiam a ser inalcançáveis caso fosse empregada a metodologia convencional, especialmente por envolver turmas de alunos considerados "problemáticos". "Mas hoje, mesmo depois de encerrado o assunto, alguns me perguntam sobre o andamento da pesquisa", afirma.