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Nº 1964 - Ano 43
07.11.2016

Um desastre em curso

Impactos do rompimento da barragem da Samarco em Bento Rodrigues ainda são dimensionados pela UFMG e pelas forças sociais com as quais interage

*Vítor Gomes

Um ano após o maior desastre tecnológico do Brasil, marcado pelo rompimento de uma barragem da mineradora Samarco em Mariana (MG), que lançou cerca de 50 milhões de metros cúbicos de lama na natureza – o suficiente para encher 20 mil piscinas olímpicas –, 90% dos rejeitos continuam espalhados pelo caminho.

A chamada tragédia de Mariana provocou a morte de 19 pessoas e causou prejuízos, ainda não dimensionados, à fauna e à flora e às cidades e comunidades que vivem às margens do Rio Doce. As consequências não envolvem apenas danos naturais e financeiros, mas também alcançam os âmbitos social e imaterial, causando angústia e decepção entre os milhares de atingidos.

Por meio do Programa Participa UFMG, a Universidade vem desenvolvendo, juntamente com empresas, governos e o Ministério Público, estudos, pesquisas e ações concretas para avaliar os impactos de longo prazo da tragédia, relacionados ao solo, à água, à vegetação, aos direitos das populações atingidas, ao patrimônio, à educação, à saúde mental e às formas de organização e participação dos grupos atingidos.

Uma das frentes incorporadas ao Programa é o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta). Coordenado pela professora Andréa Zhouri, o grupo, logo após o rompimento da barragem, protocolou no Ministério Público um documento que negava o caráter acidental. Segundo Andréa, "o desastre ocorreu por falhas técnicas de gestão no que se refere a análise ambiental, controle e fiscalização".

Seus pesquisadores desenvolvem trabalho antropológico de acompanhamento etnográfico das ações do Estado em articulação com os poderes Executivo, Legislativo e com o Ministério Público, avaliando as relações dessas instâncias com os atingidos. Atualmente, eles analisam o cadastro dos impactados pela tragédia feito pela Samarco. "São cerca de 500 páginas, nas quais a empresa tenta, de alguma forma, dimensionar os danos patrimoniais e assegurar o ressarcimento de bens, sem considerar outras perdas, como as relações sociais", explica Marcos Zucarelli, doutorando em Antropologia e pesquisador do Gesta.

Luta krenak

No município de Resplendor (MG), o povo indígena Krenak vive em uma área de quatro mil hectares na margem esquerda do Rio Doce. A Clínica de Direitos Humanos da UFMG, ação que integra ensino, pesquisa e extensão, trabalha com o diagnóstico independente dos danos humanos sofridos em virtude da deterioração do rio. "Voltamos nossa atenção para esse público, que mantinha uma relação muito particular com o rio, que não é apenas um meio de transporte ou um lugar de onde se tira alimento. Ele é uma espécie de entidade, faz parte da cosmovisão daquelas pessoas, do seu universo de sentidos", afirma Camila Nicácio, coordenadora da Clínica.

Ela também critica as ações de reparação da Samarco. "Para essas comunidades tradicionais, o sentido de reparação não passa só pelo dinheiro, ou seja, pela indenização, é muito mais sutil. Está ligado ao reconhecimento do sofrimento causado, da dor, da privação que estão passando, da relação que tinham com o Rio Doce", afirma. Porém, essa ação ainda não foi feita pela empresa.

Com o objetivo de discutir as implicações ambientais, culturais, sociais, históricas e econômicas, o Participa UFMG, em parceria com a Clínica de Direitos Humanos, promove o evento Um ano de contaminação do Rio Doce e um século de luta Krenak. Aberta ao público, a atividade será realizada nesta segunda-feira, 7, no auditório da Reitoria, a partir das 12h. Serão debatidas questões relativas ao desastre e suas implicações e a luta do povo Krenak.

A pró-reitora adjunta de Extensão, Claudia Mayorga, explica que "o Participa UFMG tem articulado várias atividades para que essas ações não fiquem isoladas e tenham impacto ampliado na população e território atingido".

Outra iniciativa de destaque é a parceria da UFMG com as universidades federais do Espírito Santo (Ufes) e de Ouro Preto (Ufop) que resultou na criação do Observatório Interinstitucional do Desastre Mariana-Rio Doce. Seu objetivo é reunir e disponibilizar informações, conhecimento técnico, políticas públicas e pesquisas para a população.

Segundo Cláudia Mayorga, o momento é de desafio para a consolidação de iniciativas em conjunto, como as que se mobilizam em razão do desastre de Mariana. "A conjuntura é bastante crítica, e isso é mais um motivo para ampliar a articulação das ações para potencializar esforços e recursos." As próprias especificidades das instituições acadêmicas também representam outro desafio, na avaliação da pró-reitora adjunta de Extensão: "Promover um debate entre os diversos campos do conhecimento de forma a incluir outros setores da sociedade, deslocando-nos das 'caixinhas' disciplinares, é fundamental para que a Universidade contribua de forma incisiva e continuada com o enfrentamento das consequências do desastre".

*Bolsista de jornalismo da Assessoria de Comunicação da Pró-reitoria de Extensão