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Nº 1973 - Ano 43
17.04.2017

Plantas que continuam curando

Em tese defendida na Faculdade de Farmácia, pesquisadora comprova permanência do uso medicinal de espécies da flora brasileira

Luana Macieira

Nem a ação agressiva dos laboratórios internacionais, que provocou, nas últimas décadas, a entrada maciça de medicamentos sintéticos no país, foi capaz de abalar um hábito secular do brasileiro: o uso de plantas para fins medicinais. Espécies como o barbatimão e a copaíba, que há cerca de 500 anos já eram indicadas como cicatrizantes e para cura de feridas, continuam combatendo os mesmos males, ainda que, com o tempo, tenham ampliado o seu leque de aplicações terapêuticas. Hoje, são reconhecidas as propriedades anti-inflamatórias e antissépticas das duas plantas.

A permanência do emprego de plantas com finalidade terapêutica foi alvo de investigação histórico-farmacológica feita pela pesquisadora Letícia Mendes Ricardo, em tese de doutorado defendida, em fevereiro, no Programa de Pós-graduação em Medicamentos e Assistência Farmacêutica da Faculdade de Farmácia. Em seu trabalho, Letícia, que trabalha no Ministério da Saúde, buscou evidências sobre os usos tradicionais de plantas nativas e confirmar se as indicações descritas desde o Brasil colonial se mantinham nos dias de hoje. Por meio de ampla análise de livros publicados em diversos momentos da história do país, ela constatou que o chamado poder terapêutico das plantas ainda é reverenciado pelo brasileiro. "Apesar do surgimento de novas aplicações para as plantas, determinados usos foram preservados", afirma Letícia.

Uma das partes mais importantes da sua pesquisa incluiu a análise de seis edições do Formulário e guia médico, de Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, médico polonês que viveu no Brasil entre 1840 e 1855 e escreveu, em 1841, o primeiro manual que listava as plantas medicinais e seus respectivos usos. Letícia Ricardo debruçou-se sobre as edições de 1864, 1874, 1888, 1892, 1897 e 1920. "A cada número, os livros reuniam mais plantas medicinais. A primeira edição, por exemplo, apresentava os usos de 37 plantas, e a última, publicada em 1920, trazia informações sobre 238 espécies. Isso evidenciava o interesse pelas propriedades medicinais das plantas no fim do século 19 e início do século 20", argumenta a autora da tese.

Segundo a pesquisadora, a escolha do Formulário e guia médico como base dessa parte do estudo se deve ao fato de ele ter substituído a farmacopeia portuguesa, livro que até então servia de referência para médicos prescreverem o uso de plantas no país. A partir de meados do século 19, o compêndio elaborado por Chernoviz passou a imperar nas farmácias brasileiras, domínio que durou até 1929.

Em outra fase da pesquisa, desenvolvida com o objetivo de analisar os usos terapêuticos de plantas descritas em centenas de livros, a autora elaborou uma fórmula que considerou a frequência de citação de usos e fatores associados à qualidade dessa informação – um deles, por exemplo, identifica se o manual foi escrito por leigos ou por profissionais da área. "Essa metodologia constatou que o Brasil pratica uma medicina tradicional, e, como há uma série de livros com essa abordagem, médicos e farmacêuticos podem se confundir. A minha pesquisa filtra o uso consistente e contínuo das plantas, o que facilita visualizar sua indicação terapêutica", explica.

Barbatimão e copaíba

O barbatimão e a copaíba ocuparam lugar de destaque na análise desenvolvida pela autora da tese, que consultou 101 livros publicados entre 1576 e 2011 em busca de informações sobre o uso tradicional dessas duas plantas. "Elas também aparecem no Formulário e guia médico. Alguns grupos de pesquisa já verificaram seu uso nos dias
atuais em diferentes comunidades, e elas ainda são vendidas em mercados e feiras livres", afirma. As duas espécies também integram programas municipais de fitoterapia e a Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse do Sistema Único de Saúde – lista publicada em 2009 com espécies de plantas que devem ser consideradas prioritárias em estudos.

O barbatimão é uma árvore pequena, de troncos tortuosos. É nativa do cerrado brasileiro, facilmente encontrada em Minas Gerais, Goiás, Bahia, São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A casca do caule é a parte usada em tratamentos. A copaíba, por sua vez, é uma espécie de grande porte, típica da Amazônia, que atinge até 45 metros. Seu óleo é reconhecido por sua ação cicatrizante, propriedade que, segundo alguns pesquisadores, teria sido descoberta pelos índios, que passavam a substância nos corpos para curar feridas decorrentes de combates.

Tese: Evidência de tradicionalidade de uso de plantas medicinais: proposta de metodologia para o desenvolvimento de fitoterápicos para o tratamento de feridas no Brasil
Autora: Letícia Mendes Ricardo
Orientadora: Maria das Graças Lins Brandão
Tese defendida em 22 de fevereiro, no Programa de Pós-graduação em Medicamentos e Assistência Farmacêutica da Faculdade de Farmácia da UFMG