Democracia, um valor inegociável

 

Pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, o então primeiro ministro britânico Winston Churchill teria dito, em um discurso na Câmara dos Comuns, que a democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as outras.

Ainda que não tenha deixado de fazer um elogio à democracia, Churchill, em tom irônico, chama atenção para o seu caráter incompleto e, por vezes, imperfeito. A democracia precisa sempre ser construída e aprimorada, incorporando novas demandas apresentadas pela sociedade. Nesse sentido, vai muito além de uma “forma” de governo; em uma acepção conceitual mais ampla, ela pode ser interpretada como um conjunto de valores que regem a vida de uma civilização.

Para a UFMG, trata-se de um valor inegociável, base da liberdade de cátedra, da livre manifestação de ideias e divulgação do pensamento, da autonomia universitária e do respeito incondicional ao Estado de Direito, dimensões que compõem o ethos de nossa comunidade universitária.  

Inspirado nesse ethos, lançamos, em setembro de 2022, o Programa UFMG de Formação Cidadã em Defesa da Democracia, que atende ao chamado do Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do Programa de Combate à Desinformação.

A convocação para participar do Programa foi prontamente aceita pela nossa comunidade. Já em dezembro, 22 iniciativas focadas no fortalecimento da democracia haviam sido mapeadas. Há desde projetos que acompanham, refletem e indicam caminhos para os desafios da democracia ou que analisam o processo eleitoral, com foco, inclusive, na influência do fenômeno da desinformação, até iniciativas que atestam o caráter ampliado do conceito de democracia, englobando, por exemplo, iniciativas nos campos da educação, da saúde pública e da divulgação científica, com ênfase no enfrentamento da própria desinformação e no letramento digital.

O fenômeno da desinformação é, por certo, o grande desafio na luta pela defesa da democracia e da cidadania nas primeiras décadas do século 21. A desinformação afeta a confiabilidade das nossas instituições e deve ser tratada coletivamente – a exemplo dos programas do STF, da UFMG e de outras universidades – nas mais diversas áreas do conhecimento, numa perspectiva trans e interdisciplinar. A desinformação vai além da simples mentira ou da falta de informação e se caracteriza, em muitos casos, mais pela abundância de informações e pela incapacidade de as pessoas filtrá-las e cotejá-las com fontes confiáveis.

 Combater a desordem informativa é fundamental para fortalecer as instituições – os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a imprensa, as universidades e a ciência – e ampliar sua capacidade de estabelecer mediações, que foram fundamentais para alcançarmos o atual estágio civilizatório.

 Eleições livres, alternância de poder, liberdade de expressão e de pensamento são dimensões de uma sociedade democrática. Mas a democracia também é pressionada por novas demandas, como a regulação das mídias sociais contra manifestações antidemocráticas, o respeito a grupos minoritários como a população negra, os povos originários e as pessoas com deficiência, a ampliação da participação das mulheres no mercado de trabalho e em espaços decisórios e a consideração à diversidade de gênero, entre tantas outras. O exercício da democracia também se faz com a construção de instrumentos capazes de dar voz e vez a grupos historicamente alijados e de combater a desigualdade social que persiste escandalosamente em nossas sociedades. Para quitar dívidas históricas com a nossa população, precisamos de mais democracia, sabendo, no entanto, que ela também impõe limites, como refletiu Afonso Pena, fundador e primeiro diretor da Faculdade de Direito da UFMG, no famoso Manifesto dos Mineiros, de 1893: “O bom da democracia é isso. Ninguém pode tudo, nem pode sempre”.

As 22 iniciativas aqui apresentadas demostram a preocupação da UFMG com a defesa de valores fundamentais. Esperamos que outros projetos se juntem a elas, formando um robusto movimento de formação cidadã neste momento em que a democracia se encontra ameaçada em diversas partes do mundo. A democracia precisa de nós, e nós precisamos dela para a construção de um país melhor, mais justo e equânime.

 

Professora Sandra Regina Goulart Almeida 

Reitora da Universidade Federal de Minas Gerais