Venha aprender mais sobre a literatura africana na série kimbo!
As aventuras de Ngunga
28 de março de 2023

Ouça também no Spotify!
Crescer e atravessar a puberdade não é uma atividade fácil para quase nenhum jovem. Os desafios envoltos em deixar a infância e aceitar a vida adulta podem ser ainda mais dificultosos quando se é um jovem angolano em pleno processo de descolonização de seu país.
Após séculos de dominação portuguesa, Angola conquistou sua independência em 1975, graças a fortes movimentos civis de grande adesão da população trabalhadora e intelectual. A sociedade civil envolvida tinha ligações com grupos guerrilheiros, afinal, o movimento trazia escolas, remédios e alimentação para a população nas aldeias livres que embora pudessem nos remeter a ideia violência, se mostrou necessário naquele período histórico.
O país ainda se configurava como colônia portuguesa por 400 anos. E isso despertava nas pessoas o desejo de se verem novamente livres, fora do jugo português, pois muitos haviam percebido que o ideal europeu de ‘avanço tecnológico’ prometido não pagava por suas vidas e aniquilava massivamente suas culturas ancestrais.
E nesse cenário de um país cujas tradições e costumes milenares se misturavam ao sistema colonial, conhecemos o jovem Ngunga, personagem principal do romance “As Aventuras de Ngunga”, escrito por Pepetela (Artur Pestana) em 1972. Foi o primeiro livro do premiado autor, nascido em outubro de 1941, na cidade de Benguela, Angola. Na juventude, Pepetela fez parte de movimentos libertários do país, sendo a favor da luta armada. Foi no grupo político ao qual fazia parte, o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), que ganhou o pseudônimo “Pepetela”, que na língua umbundo quer dizer “pestana”, adotado como sua alcunha literária. Ele também foi vice-ministro da educação de Angola assim que o país se tornou independente em 1975. Em seus mais de 15 romances , é evidente seu engajamento na luta contracolonial e antifascista, sempre em prol do protagonismo do povo angolano.
O livro “As Aventuras de Ngunga” narra a história de Ngunga, um adolescente de 13 anos, órfão. Seus pais morreram em um ataque na aldeia em que viviam, deixando-o só, nômade no mundo. No começo de suas aventuras, gostava de ficar pelas matas, subindo nas árvores para comer e beber frutas e mel, se sentindo um menino livre que não gostava de se estabelecer nos kimbos (aldeias) por onde andava, embora sempre fosse querido pelas pessoas desses locais.
Em suas andanças, Ngunga entra contato e passa a ter como herói os guerrilheiros que buscavam a independência do país, e com isso, passa a sentir um forte anseio em se tornar um deles. Um dia ele conhece o Comandante Mavinga e a admiração que ele sente pelo comandante o convence a se estabelecer em um kimbo, com a promessa que assim que crescesse, poderia se juntar ao movimento dos libertários. Assim, Ngunga fica sob a tutela de União, o professor de um dos povoados que Mavinga tem sob sua proteção, e embora o menino não gostasse de estudar, ambos passam a nutrir um sentimento de admiração mútua. Apesar de Ngunga considerar que todos os adultos em determinada época da vida, passam a ser invejosos e egoístas, no caso de seu professor, Ngunga percebe que ele permanece com o coração de uma criança.
Em uma noite, a escola sofre um ataque surpresa dos colonos portugueses. União e Ngunga lutam bravamente com a pouca munição disponível, porém, acabam derrotados e capturados pelos ajudantes dos portugueses.
No cativeiro, o menino foi inicialmente mantido preso, mas depois foi ordenado como criado do colono português que era o agente daquela seção. E o único pensamento de Ngunga era resgatar seu amado professor e fugir dali. Infelizmente, o pior aconteceu e, apesar dele próprio ter conseguido fugir, o garoto se viu sozinho mais uma vez.
Nessa circunstância, ele decide ir atrás do Comandante Mavinga e após dias de caminhada na floresta eles se reencontram em um povoado. Lá, Ngunga tem sua primeira paixão e se convence verdadeiramente a ficar e estudar. Afinal, já que ele tem o desejo de mudar costumes e pensamentos, ele precisa estudar para saber convencer os outros que a liberdade é o maior bem que um ser humano pode ter.
Ngunga vive na ficção, apesar de sua história, antes de ser registrada na escrita, ter sido contada por muitas bocas da região. De toda forma, o menino se tornou símbolo de lealdade, ternura e justiça.
As Aventuras de Ngunga é uma ficção infanto-juvenil para todas as idades, mas Pepetela é para leitores diversos. Mayombe (1979) é uma narrativa de dentro de um acampamento de guerrilha e O cão e os caluandas (1985) a história de Luanda no pós independência, contada pelo ponto de vista de um pastor alemão.
Outras obras do autor:
- A geração da utopia, 1992.
- O desejo de Kianda, 1995.
- Parábola do cágado velho, 1996.
- Jaime Bunda, Agente Secreto, 2001.
- Jaime Bunda e a morte do americano, 2003.
Gostou do conteúdo? Kimbo é uma série de textos publicados no Blog do Espaço, para conhecermos juntos outros autores e títulos africanos. Fique atento(a) aos próximos textos!
[Texto de autoria de Juliana C. L. Cavalli, aluna do curso de bacharelado em Estudos Literários e estagiária do Núcleo de Ações Educativas]
Referências
LAURITI, Thiago. As Aventuras de Ngunga, de Pepetela: muito além da cartilha. São Paulo, Via Atlântica, 2009.
PEPETELA. As Aventuras de Ngunga. Alfragide, Portugal: Publicações Dom Quixote, 2002.