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Trabalho e Inclusão

Desafios e perspectivas de acessibilidade para pessoas com deficiência

 

24 de setembro de 2024

 

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Setembro é celebrado como o Mês da Inclusão, um período destinado a refletir e promover ações voltadas para a inclusão social e profissional de pessoas com deficiência. Este mês tem uma importância crucial, especialmente no contexto do mercado de trabalho, em que a inclusão ainda enfrenta diversos desafios. Garantir que pessoas com deficiência tenham acesso igualitário a oportunidades de emprego é fundamental para construir uma sociedade mais justa e equitativa. A inclusão no ambiente de trabalho não apenas respeita os direitos humanos, mas também enriquece as organizações com a diversidade de perspectivas e habilidades. 

 

Pessoas com deficiência e o mercado de trabalho

Atualmente, a realidade das pessoas com deficiência no mercado de trabalho brasileiro ainda é marcada por desafios significativos. De acordo com dados do eSocial, o Brasil conta com cerca de 545.940 pessoas com deficiência inseridas no mercado formal, representando apenas uma pequena fração da população total com deficiência no país. A inserção dessas pessoas no mercado de trabalho é frequentemente dificultada por barreiras físicas, metodológicas e comportamentais, que limitam suas oportunidades e perpetuam a exclusão.

 

Entre os principais desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência neste âmbito está o capacitismo, uma forma de preconceito que subestima suas capacidades e competências. O capacitismo estrutural está profundamente enraizado na sociedade brasileira, manifestando-se desde a falta de acessibilidade nas escolas até a exclusão das pessoas com deficiência de cargos de liderança. Essa discriminação não só impede o desenvolvimento profissional, mas também contribui para a manutenção de estereótipos prejudiciais que reforçam a marginalização social.

 

Além do capacitismo, as barreiras arquitetônicas e metodológicas nas empresas são obstáculos significativos para a inclusão efetiva. Muitas organizações ainda não oferecem as condições mínimas de acessibilidade física, como rampas de acesso, elevadores adaptados e sinalização tátil, o que dificulta a contratação e a permanência de pessoas com deficiência no ambiente de trabalho. A falta de compreensão e preparação por parte dos gestores para lidar com as necessidades específicas dessas pessoas, muitas vezes, resulta em um subaproveitamento de seu potencial.

 

A Lei de Cotas é suficiente e eficiente?

A Lei de Cotas, que exige que empresas com mais de 100 empregados tenham de 2% a 5% de seu quadro composto por pessoas com deficiência, é um marco importante na promoção da inclusão no Brasil. No entanto, a legislação ainda enfrenta dificuldades para ser plenamente implementada. Apenas uma pequena parcela das empresas cumpre a cota estabelecida e muitas vezes a contratação de pessoas com deficiência ocorre somente para atender a requisitos legais, sem que sejam oferecidas condições adequadas para o desenvolvimento profissional.

 

A fiscalização do cumprimento da Lei de Cotas também é frequentemente inadequada, o que contribui para a perpetuação das práticas excludentes. A falta de inspeções regulares e de punições efetivas para as empresas que não cumprem a legislação enfraquece a eficácia da lei. Muitas vezes, as empresas alegam dificuldades em encontrar pessoas com deficiência qualificadas, mas essa justificativa frequentemente mascara a falta de esforços para adaptar o ambiente de trabalho e para investir na formação desses profissionais. Assim, a precariedade na fiscalização compromete a inclusão real, limitando a lei a uma mera formalidade, sem gerar mudanças significativas na cultura organizacional das empresas.

 

Como é a experiência de uma pessoa com deficiência?

Em entrevista com Gabriel Benfica, bolsista do Projeto PIPA (Programa de Apoio à Inclusão e Promoção à Acessibilidade da UFMG) no Espaço do Conhecimento da UFMG, ele destaca as dificuldades enfrentadas como uma pessoa com deficiência auditiva no mercado de trabalho. Gabriel menciona que a comunicação e a falta de vagas específicas para pessoas com deficiência são desafios recorrentes. Ele também observa a ausência de pessoas com deficiência em cargos de liderança, o que limita a representatividade e a capacidade de influenciar mudanças significativas dentro das organizações. Gabriel compartilha ainda sua experiência pessoal, em que, apesar de ter assumido um papel de liderança, sentiu a desconfiança dos colegas quanto à sua capacidade de gerir, o que resultou em sua substituição por outra pessoa.

 

A falta de apoio e de uma cultura organizacional inclusiva nas empresas reforça a exclusão das pessoas com deficiência, mesmo quando elas têm formação e competências equivalentes às de outros profissionais. Gabriel destaca a necessidade de mais vagas para pessoas com deficiência formados em diversas áreas e a importância de melhorar os equipamentos tecnológicos e as condições de trabalho para garantir a verdadeira inclusão. Ele também sugere a flexibilização de cargos e maior participação em reuniões e feedbacks para que a inclusão não se limite à contratação, mas se estenda ao desenvolvimento e à valorização contínua dos profissionais com deficiência.

 

[Gabriel Benfica, graduando do curso de Direito na UFMG, bolsista do Projeto PIPA no Espaço do Conhecimento da UFMG, artista, poeta, slammer e maquiador]

 

Perspectivas de acessibilidade para o futuro

As perspectivas de melhoria para o futuro da inclusão no mercado de trabalho dependem de uma série de fatores. Em primeiro lugar, é necessário fortalecer a fiscalização do cumprimento da Lei de Cotas, garantindo que as empresas não apenas contratem pessoas com deficiência, mas também ofereçam um ambiente de trabalho acessível e inclusivo. Também é fundamental investir na capacitação de gestores e colaboradores para que estejam preparados para lidar com as diversas necessidades das pessoas com deficiência, promovendo um ambiente de respeito e valorização das diferenças.

 

Incentivos governamentais para as empresas que investem na inclusão de pessoas com deficiência também podem ser uma ferramenta eficaz para aumentar as oportunidades no mercado de trabalho. Esses incentivos podem incluir benefícios fiscais, apoio técnico para adaptações físicas e metodológicas, e programas de treinamento específicos. Ao mesmo tempo, é essencial que a sociedade como um todo continue a lutar contra o capacitismo, promovendo a conscientização sobre a importância da inclusão e o valor das contribuições que as pessoas com deficiência podem trazer para o ambiente de trabalho.

 

Por fim, a inclusão efetiva no mercado de trabalho requer uma mudança de paradigma, na qual as pessoas com deficiência não sejam percebidas apenas como beneficiárias de políticas de cotas, mas como profissionais qualificadas que trazem habilidades únicas e valiosas para as organizações. Trata-se de criar oportunidades reais para que todos, independentemente de suas capacidades, possam contribuir e prosperar. A construção de um ambiente de trabalho inclusivo beneficia não apenas as pessoas com deficiência, mas todos os colaboradores, criando uma cultura organizacional mais diversa, inovadora e resiliente.

 

[Texto de autoria de Beatriz Ferraz Pêgo, publicitária e mestranda em Comunicação Social na UFMG]

 

Referências

Pessoas com deficiência têm menor acesso à educação, ao trabalho e à renda

Levantamento do eSocial aponta 545,9 mil trabalhadores com deficiência no mercado de trabalho no Brasil

Brasil tem 18,6 milhões de pessoas com deficiência, cerca de 8,9% da população, segundo IBGE

Mulheres PcDs recebem 34% a menos do que mulheres que não têm deficiência