Este texto foi transcrito
do original publicado pelo jornal O Estado de Minas.
ESTADO DE MINAS
EM CULTURA
Walter Sebastião
16 de janeiro de 2002, p. 4
Literatura sem enredo
(...) Ponto radical nesta consideração
é o trabalho Mabe Bethônico e o Colecionador.
O título algo insólito para uma apresentação
solo tem explicação. Visando criar um
tom reflexivo, extremizado, no que se refere ao tema
da imagem e às questões da natureza
do objeto de arte e sua institucionalização,
a artista trocou a postura de criadora pela de observadora.
Isto é: criou uma ficção sobre
um homem que metodicamente recorta e coleciona fotos
retiradas de publicações (inundações,
telhados destruídos, prédios demolidos,
prédios em obras etc.) e as ordena em pastas
a partir das categorias destruição,
corrosão, construção e flores.
Parte da obra vai estar em exposição
e parte na biblioteca do museu.
"E um trabalho quase literário sobre a
construção de um personagem, ainda que
o resultado não seja um texto. Não é
a elaboração de um objeto, mas um pensar
sobre como este personagem elabora as coisas",
observa Mabe Bethônico, que, por gosto, nada
diria sobre o trabalho. Acrescenta que está
em curso "o desafio do narrativo", mas "com
trama aberta" deixando ao espectador a decisão
de traçar o enredo. "O que me interessa
é a possibilidade de me movimentar ao redor
do trabalho, vendo as coisas de vários ângulos:
como leitor, espectador, museógrafo etc.",
completa, seduzida, em especial, por este último
termo, entendido como "alguém que leva
ao público algo que é de um universo
particular".
Se a obra remete a temas caros à autora - "na
investigação do gráfico reside
grande parte da minha experiência" - o
trabalho detalha novas questões (ou questões
que existiam apenas veladamente em proposições
anteriores), motivos ligados à memória
e à literatura. Dona de uma das obras mais
incisivas no contexto da produção de
arte mineira, Mabe Bethônico avisa que também
estão em curso aspectos ligados aos modos como
uma instituição recebe o trabalho de
arte. "Me interessa estar constantemente lidando
com os limites da linguagem". completa. E para
tal ela já fez buracos em paredes de galerias,
discutiu o que é gravura e apresentou obras
em que o processo de corrosão não era
só uma metáfora. |