Declarando-se um "otimista trágico", o cientista social Boaventura Sousa Santos deu inicio na manhã desta segunda-feira, 11, à palestra que fez no auditório da Reitoria, dentro do ciclo de conferências promovido pela Instituto de Estudos Avançados Transdiciplinares (Ieat) da UFMG. Ele falou para um auditório completamente lotado por professores e alunos que, atraídos pelo notoriedade do conferencista, se concentraram também no mezanino do prédio, onde foi instalado um telão. Em sua fala, o sociólogo português abordou o tema A universidade no século XXI: para a construção de uma universidade com futuro. Depois da abertura da sessão pelo vice-reitor Marcos Borato Viana, e da saudação do diretor do Ieat, professor Alfredo Gontijo, o conferencista foi apresentado pelo professor do Departamento de Ciência Política da UFMG, Leonardo Avritzer, que destacou as suas inúmeras atividades como pesquisador no campo das ciências sociais, que abarcam o cenário internacional, com destaque para as questões relacionadas à globalização. Conhecimento Para o sociólogo, uma das tarefas mais urgentes que se apresentam é "criar uma subjetividade inconformista, participante e solidária". Nesse tópico, ele inscreve o papel da universidade contemporânea, a quem caberia um registro utópico que, partindo de si mesma, seja capaz de ultrapassá-la, ou seja, uma universidade que tenha a capacidade de combinar ciência e emancipação. "Não pode haver mérito se nele estiver inscrito o privilégio, e o grande desafio é distinguir o mérito do privilégio", defendeu Boaventura. Universidade Nesse contexto é que ocorreu, especialmente em nosso país, a "emergência selvagem e desregulada do ensino superior privado, que atingiu particularmente a universidade pública. Esta vem caminhando no sentido de um processo progressivo de privatização na medida em que tenta criar internamente um mercado de serviços. Por outro lado, no plano global, procura-se hoje, através da Organização Mundial do Comércio, abolir regras e limites à circulação do capital interessado nos investimentos em educação, um mercado estimado em dois trilhões de dólares. "A universidade pública não é capaz de responder a esse desafio, pois isso implicaria na sua completa mercantilização". Assim, mais do que relacionar-se com o mercado, ela tem de ser o mercado. "Esse é o projeto de globalização neoliberal como está explicitado nos relatórios do Banco Mundial", avalia Boaventura. Vale dizer, continua o sociólogo, que os Estados nacionais não terão mais autonomia para construir a sua própria universidade, assumindo a tarefa de investir apenas na educação básica. No seu lugar, surgem as universidades globais, "oferecendo cursos na Internet para todo o mundo". Essas universidades transnacionais funcionariam também através de acordos de franquia com algumas grandes universidades de cada país, sob a tutela das primeiras. Alternativas Segundo Boaventura, devemos ser capazes de formular a crise não em termos neoliberais, mas partir dos critérios inclusivos da universidade pública. Para ele, essas se fecharam dentro de si mesmas em seus próprios países. O sociólogo defende, a propósito, o retorno da tradição universalista que prevaleceu na origem da universidade, em seus primórdios medievais, quando inclusive os docentes lecionavam indistintamente em diversas instituições européias. Programação
"Conhecimento e sociedade estão indissoluvelmente imbricados", disse Boaventura Sousa Santos, quando se referiu à contradição de nossa época marcada pelo avanço extraordinário do conhecimento, por um lado, e a marginalização dos povos, por outro. Contrariamente, ele propõe o que chama de uma "ecologia do saber" para que se alcance a superação de um saber de viés colonialista que tende a criar uma "subjetividade conformada".
Para o conferencista, modernamente a universidade sempre foi considerada um bem público, radicado em um projeto nacional, daí o fato de ter sido sempre financiada pelo Estado. Contudo, nos últimos 30 anos - e mais especialmente com o advento da globalização - a universidade "perdeu peso no âmbito das políticas públicas, o que vem concorrendo para a sua descapitalização".
O "otimista trágico" Boaventura Sousa Santos tem, no entanto, propostas alternativas para enfrentar a onda avassaladora da globalização desigual, propondo um esforço no sentido de construir a globalização solidária, tal como está contida na proposta do Fórum Social Mundial. "Sem justiça cognitiva, não há justiça social. Precisamos criar um conhecimento transdisciplinar em sistemas abertos, com responsabilidade social, onde esteja prevista a participação de todos os interessados''.
O professor Boaventura Sousa Santos cumpre, até quarta-feira, extenso programa de atividades em sua visita a Belo Horizonte. Nesta terça-feira, pela manhã, participa de reunião com a equipe do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares da UFMG; à tarde, terá uma reunião com a reitora Ana Lúcia Gazzola e sua equipe administrativa. Na quarta-feira, pela manhã, cumpre programa de vistas a diversas ONGs da cidade e à tarde, depois de reunir-se com a equipe do projeto Pólos de Cidadania, na Faculdade de Direito, visita o Núcleo e Mediação e Cidadania do Aglomerado Santa Lúcia, uma das atividades do projeto.