Lucas Prates |
Os programas de extensão das universidades devem levar às salas de aula o que acontece fora delas, nas comunidades e nos movimentos populares, ao invés de pensar apenas em vender o conhecimento produzido ppor elas. Na avaliação do sociólogo português Boaventura de Souza Santos, que falou hoje para cerca de cerca de 600 pessoas em conferência no auditório da Reitoria da UFMG, esta é uma forma de ensinar os estudantes a respeitar outros saberes. O evento foi parte das comemorações do 80 anos da Universidade. Boaventura acrescentou que essa é uma das maneiras de as universidades contribuírem para a "ecologia dos saberes", conceito criado por ele para pregar que o pensamento científico estabelecido não pode ser o único válido. É preciso incorporar o conhecimento de povos, culturas e extratos de populações marginalizados. Em sua terceira visita à UFMG, o sociólogo elogiou a linha de ação desenvolvida na Universidade. "Seus grupos de trabalho têm relação forte e muito positiva com os movimentos sociais e as classes populares", disse Boaventura, que mantém contato freqüente com pesquisadores da UFMG. Ele anunciou, junto com o professor Leonardo Avritzer, do Departamento de Ciência Política, a criação, com sede na UFMG, do Centro de Estudos Sociais (CES) da América Latina, versão autônoma local do núcleo dirigido por ele na Universidade de Coimbra. O novo centro reunirá 75 pesquisadores do Brasil, de outros países latino-americanos e de Portugal. Democracia e autonomia individual Sobre a idéia de radicalização da democracia, recorrente em seu trabalho, lembrou que o despotismo está em todo lugar: na família, na rua, na comunidade, na escola. "Não teremos democracia verdadeira se não se democratizarem todos esses espaços", disse Boaventura. Ele explicou também suas idéias sobre autonomia individual. "Costumamos proclamar a autonomia das pessoas, mas como votar com independência se muitas vezes um emprego depende de um voto? Que condições têm as pessoas para comparar argumentos apresentados durante num debate na TV, por exemplo, se sua preocupação no momento é dar comida para o filho no dia seguinte? Que autonomia convive com o medo de uma bala perdida?", questionou o pensador português. Boaventura, que viveu seis meses na Favela do Jacarezinho, no Rio – para produzir sua tese de doutorado sobre pluralismo jurídico –, destacou que o primordial é criar condições para tornar viável tal autonomia individual. "A autonomia não é um ponto de partida, e sim o ponto de chegada", concluiu. Em sua conferência de hoje ele abordou também a questão da utilização da violência como forma de resolver diversas questões, seja no Iraque ou nas ruas de São Paulo e Rio de Janeiro. "Temos que encontrar outras formas de resolver as coisas. Ademais, é muito fácil fazer críticas à violência dos outros: queremos que sejam como nós no que temos de bom, mas não no que temos de ruim", ironizou. Lucas Prates O sociólogo português, que anualmente permanece durante seis meses nos Estados Unidos, defendeu que a aproximação entre as diferentes culturas deve ser baseada no respeito às respectivas realidades. Para efeito de exemplo, ele critica os que querem impor aos índios a noção de meio ambiente. "Para os índios isso não faz sentido, pois tudo é meio ambiente. É um equívoco querer tratar o diferente a partir de categorias de pensamento que não lhe são comuns", afirma. Universidades pela internacionalização solidária Disse que programas de doutoramento devem ser geridos coletivamente pelo Brasil e outros países. Já sobre o ambiente universitário na América Latina, Boaventura se declarou otimista, por encontrar uma nova geração de cientistas sociais interessados nas diferentes realidades. "Surge um novo intelectual. Engajado. Que intervém publicamente. Tem raízes na sua terra, mas sabe que as formas de opressão estão globalizadas", definiu. O sociólogo acrescentou que vê com bons olhos também o movimento do governo brasileiro por maior investimento nas universidades públicas, através de recursos financeiros e de iniciativas diversas de inclusão.
Assim como a Ciência não pode ser dominada por um pensamento único, Boaventura defende que o Direito tem que se abrir para além das normas estabelecidas, respeitando a realidade e as necessidades dos excluídos. "Não há como ampliar o acesso ao Direito sem mudá-lo. É preciso reinventar a noção de emancipação social", afirmou.
Sociólogo atraiu 600 pessoas à Reitoria da UFMG
Em entrevista à imprensa, Boaventura elogiou as tendências reveladas pelo Congresso Internacional de Reitores Latino-americanos e Caribenhos, que aconteceu esta semana na UFMG. Ele lembrou que tem defendido o movimento das universidades em direção a uma "internacionalização solidária, como forma de resistência a uma globalização mercantilista".