Nós, humanos, vivemos um tempo especial no que diz respeito à compreensão da origem do Universo. Quem diz isso é o físico e cosmólogo Joel Primack, que apresentou, agora há pouco, ao lado da escritora Nancy Abrams, a conferência O novo Universo: por que isto nos interessa aqui e agora?. O evento foi no auditório da Reitoria da UFMG, no campus Pampulha, e integrou o ciclo Sentimentos do Mundo, lançado no ano passado pela Universidade. Primack e Abrams são professores da Universidade da Califórnia (EUA) e autores do livro Panorama visto do centro do Universo: a descoberta do nosso extraordinário lugar no cosmos, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Segundo Primack, nosso tempo é especial por quatro motivos: 1) Nunca tivemos tanta tecnologia à disposição para a observação astronômica; 2) Nunca mais haverá tantas galáxias visíveis, já que as mais distantes estão começando a desaparecer no horizonte cósmico; 3) Estamos praticamente na metade do tempo de vida do Sistema Solar, que deverá desaparecer em 5,5 bilhões de anos; 4) Estamos, também, no meio do melhor período da existência da Terra, em que foi possível o surgimento de formas complexas de vida (a previsão é de que em 500 milhões de anos o calor do Sol evapore a água do planeta, o que significaria a extinção de quase todas as formas vivas). Além disso, nós e o mundo físico somos, segundo Nancy Abrams, feitos do material mais raro que há no Universo, a poeira das estrelas. Diante dessas constatações, Primack e Abrams sustentam a tese de que somos seres especiais e centrais no cosmos (mas não no sentido de que a Terra seja o centro do Universo, como se acreditava antes de Nicolau Copérnico). A constatação de ambos gera polêmicas, segundo eles, sobretudo em meios não-científicos, identificados com teorias esotéricas. Matéria escura Primack disse que muitas das explicações sobre essa porção invisível devem ser dadas pelo LHC (sigla em inglês para Grande Colisor de Hádrons), inaugurado recentemente na fronteira da Suíça com a França. Revolução Abrams, que apresentou no início da conferência alguns mitos e lendas antigos sobre a origem do Universo, concluiu dizendo que as teorias científicas não são incompatíveis com outras explicações sobre a vida humana. Para ela, "regras diferentes controlam como os fenômenos acontecem em escalas diferentes". Por isso, propôs, de maneira bem-humorada, um substituto para o famoso slogan "pense globalmente, aja localmente". Segundo Abrams, devemos "pensar cosmicamente, agir globalmente e comer localmente". A conferência teve como debatedor Ricardo Fenati, professor aposentado do Departamento de Filosofia da UFMG. A apresentação foi da diretora-adjunta de Relações Internacionais da Universidade, Isabela Pordeus.
Apesar de tão especiais, ocupamos um espaço bem pequeno no cosmos. Primack chamou a atenção para o fato de que tudo que é visível, para nós ou para os telescópios, é menos de 1% do que compõe o Universo. Cerca de 4% são átomos invisíveis; 25% são o que o físico batizou de matéria fria escura, cuja composição é um mistério para a ciência; os 70% restantes são representados por energia escura, responsável pelo fato de o Universo se expandir cada vez mais rapidamente.
Para Primack e Abrams, discutir a origem do Universo é bem mais próximo de nossas vidas do que podemos imaginar. O físico citou como exemplo a revolução social que representou o fim da crença de que o Sol girava em torno da Terra, com implicações no enfraquecimento de regimes políticos baseados na origem divina dos reis. Ele afirmou que o fato de sermos tão especiais no Universo nos dá mais responsabilidade em manter a vida no planeta e alertou para as conseqüências de nossos hábitos de consumo, entre elas o aquecimento global.
Nancy Abrams: "Pensar cosmicamente, agir globalmente e comer localmente"