Na aula magna que marcou a abertura do semestre letivo na UFMG, o ministro da Justiça Tarso Genro defendeu que anistia não é sinônimo de esquecimento, mas sim um direito à memória e um caminho para a reconciliação com a sociedade. Na conferência que teve como tema Anistia, democracia e justiça da transição – Celebração dos 30 anos da Lei de Anistia, o ministro destacou a necessidade de se compreender a anistia sob termos diferentes dos que se consolidaram ao longo da história. “A concepção da anistia como esquecimento é preponderante na América Latina. No Brasil, ela foi tomada como perdão dos vencedores sobre os vencidos no golpe de 64.” O ministro lembrou que, no Brasil, a transição da ditadura para a democracia foi feita pelos apoiadores do regime militar, o que permitiu que “fosse mantida sob controle a extinção progressiva do regime e a possibilidade de impunidade para os seus membros”. Segundo o ministro, isso fez com que o desenvolvimento da justiça de transição no país fosse travado. Criado pela ONU, o conceito de justiça de transição pressupõe que os países saídos de governos autoritários adotem medidas voltadas para a preservação da memória do período, para a apuração de todos os crimes cometidos e para a reparação das vítimas. Tendo em vista esses princípios, o ministro alegou que “o debate sobre a violência do regime e a justiça de transição é atual” e que “o direito à memória não pode ser visto como revanchismo nem como ataque às forças militares, sob pena de se legitimar a violência cometida no período”. Revisão da Lei de Anistia “Eu tenho esperança de que a suprema corte brasileira diga que a Lei de Anistia não se aplica a quem torturou, porque tortura não é crime político. Quem comete tortura está cometendo uma violência geral contra a humanidade e uma ofensa contra os princípios mais elementares da dignidade humana.” Para o ministro esta pode ser uma oportunidade para que o Estado brasileiro faça uma “manifestação formal” de um pedido de desculpas às vítimas da ditadura. Tarso Genro comentou ainda o papel do Memorial da Anistia, parceria entre a UFMG e o Ministério da Justiça, no processo de preservação da memória relativa ao regime militar. “Ele vem na esteira dessa convicção nossa de que nós temos que aclarar a história do país e mostrar que a resistência ao regime e a luta pela democracia ocorreu só no eixo Rio-São Paulo.” O Memorial será instalado no 'Coleginho' do antigo prédio da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, no bairro Santo Antônio. Ele disponibilizará para consulta pública materiais relativos a 60 mil processos de indenização guardados pela Comissão de Anistia Política, além de dossiês, fotos, imagens, relatos, testemunhos, livros, áudios e vídeos sobre a perseguição política durante a ditadura militar. No mesmo espaço, haverá uma exposição permanente, com equipamentos multimídia e interativos, contendo depoimentos de ex-presos políticos. A previsão é de que obras sejam iniciadas em setembro deste ano e concluídas em duas etapas: em março de 2010, com a finalização do espaço do acervo e da exposição, e em setembro, com a entrega da parte administrativa.
Em entrevista coletiva a jornalistas antes da aula magna, Tarso Genro manifestou a expectativa de que o Supremo Tribunal Federal vote a favor da imprescritibilidade dos crimes de tortura cometidos durante a ditadura, conforme requer uma ação apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil. A ação questiona a validade do primeiro artigo da Lei de Anistia, que estende o perdão aos crimes de qualquer natureza cometidos durante o regime militar, e defende que deve haver responsabilização pelos crimes de tortura. A votação está na pauta do Supremo para este segundo semestre.