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Até que ponto é possível interferir no comportamento para melhorar a condição humana? Posições opostas em relação a essa questão polarizaram a primeira conferência do semestre do ciclo Sentimentos do Mundo. Com o tema Nas fronteiras do humano – a imaginação da técnica, a conferência trouxe para o debate os professores da Universidade de Oxford Julian Savulescu e Roger Crisp. Defendendo o uso de intervenções biotecnológicas nos seres humanos para a melhoria de suas condições de vida, Savulescu citou série de pesquisas que vinculam o comportamento humano às suas características genéticas e neurológicas, o que justificaria as interferências científicas. Ele citou, por exemplo, estudos que relacionam o comportamento agressivo aos baixos níveis de serotonina e outros que apontam que o sentimento de empatia está ligado ao funcionamento dos neurônios. “Até nosso conceito de justiça pode ter uma base biológica significativa”, afirmou. Tendo em vista esses resultados, Savulescu disse que não há motivos para evitar melhoramentos no cérebro humano. “Se os efeitos são eficazes, há uma obrigação moral”, disse. Além disso, defendeu que esses melhoramentos podem ser transmitidos para gerações posteriores e que não há diferença entre essas interferências e o tratamento de doenças. O professor acredita que a biologia é um dos principais recursos que o homem tem na atualidade para promover seu bem-estar, junto com outros surgidos anteriormente na História, como a intervenção na natureza e os conhecimentos de psicologia. “Não estou sugerindo que devemos dar prioridade ao biológico, mas devemos considerar todas as possibilidades.” Apresentando outra linha de pensamento, Crisp citou experimentos que questionam as noções de livre arbítrio e a natureza dos seres humanos e que colocam à prova a possibilidade de interferência no comportamento humano. Ao medirem a capacidade de manifestação da vontade de agir de voluntários, os experimentos mostraram que as pessoas só se apresentavam conscientes da vontade de agir depois de implementada a ação. “É como se a consciência estivesse sendo informada da ação”, explicou Crisp. Para ele, esses testes geram implicações significativas para o entendimento da liberdade. “É verdade que nenhum deles tem provas concretas contra a existência da liberdade no nosso comportamento, mas eles lançam dúvidas sobre nosso conceito de agentes livres”, analisou. Questionados pelo público sobre quais seriam os limites de intervenção da ciência no ser humano, os professores demarcaram suas posições. Savulescu disse que “os limites são aqueles que iremos impor”. Ele destacou apenas os valores que precisam estar em jogo na criação desses limites: “o respeito pela liberdade individual, o cuidado para que não se provoque danos em outros seres e o uso justo dos recursos”. O professor Crisp, apesar de ter afirmado concordar com esses valores, defendeu que intervenções na condição humana não necessariamente conduzirão a uma vida melhor. “Isso só pode ser decidido através da discussão, não nos pode ser imposto.”