Foca Lisboa |
A professora Ana Paula Hey, da Universidade de São Paulo, especialista em políticas públicas de Educação, afirmou esta manhã, na UFMG, que a adoção do Exame Nacional de Ensino Médio, o Enem, como critério de avaliação para ingresso nas universidades públicas não democratiza o acesso e não muda a realidade brasileira, marcada pela desigualdade de oportunidades. “Se os vestibulares unificados anteriores eram excludentes, utilizar o Enem não quebra essa lógica. Me interrogo profundamente se esse exame de alcance nacional pode ser minimamente justo”, ela disse. Ana Paula Hey participou de debate – sobre a adoção do Enem pela UFMG – que integra a programação da Semana de Conhecimento e Cultura. O evento teve a participação também da pró-reitora adjunta de Graduação, Carmela Polito Braga, e da coordenadora da Comissão Permanente do Vestibular (Copeve), Vera Resende. A Universidade discute no âmbito de seus órgãos superiores a conveniência de passar a usar o exame como parte de seu processo de seleção a partir de 2011. Para o Vestibular 2010, não houve tempo hábil, segundo os estatutos da UFMG, de preparar qualquer mudança. Avaliações sobre o Enem, que foi implantado em 1998, ainda são em parte especulativas, de acordo a professora da USP, porque há pouco conhecimento científico estabelecido sobre o assunto. Mas ela lembrou que o ensino médio atinge percentual muito pequeno da população brasileira, e que é preciso diminuir as desigualdades em termos de qualidade de ensino. “O Enem tem alguns resultados visíveis, como a construção de um grande ranking das escolas, que orienta apenas famílias das classes mais altas, e uma pressão maior para a melhoria das instituições, que não atinge todos os segmentos”, destacou Ana Paula Hey. Países em movimento inverso A dificuldade da mobilidade prevista pelo projeto do governo e o risco de perda da autonomia das universidades também foi ressaltado pela pesquisadora da USP. Ela acha que os vestibulares atuais “respeitam o ethos institucional e diferenças regionais”, e isso se dilui com um exame nacional. “Além disso, todo o ensino médio vai acabar se moldando ao conteúdo do Enem, que é bastante frágil”, completou Ana Paula Hey. A professora Vera Resende, que coordena o vestibular da UFMG, informou que a tendência, segundo os debates internos iniciais na Universidade, é a adoção do Enem como primeira etapa do processo de seleção, com a modificação de alguns aspectos da segunda etapa. Ela fez questão de destacar que, ao contrário do senso comum, os processos seletivos de algumas universidades, como a UFMG, já valorizam o raciocínio e a análise. “A proposta do MEC é flexível, e podemos adotar o Enem como parte de nosso processo, mas há questões a serem discutidas”, disse Vera Resende. Carmela Polito Braga, que atuou como mediadora da mesa-redonda, acrescentou que a direção da UFMG “reconhece a importância de valorizar os processos de avaliação da educação básica e superior no Brasil. Mas devemos questionar certos aspectos de um exame unificado como o novo Enem e propor alternativas”. Acesso aqui a programação da Semana de Conhecimento e Cultura da UFMG.
Segundo Ana Paula Hey, entre outros problemas, o exame não permite séries históricas de comparação, tem controle extremamente difícil – sobretudo considerando que estão envolvidos mais de 4 milhões de estudantes – e não tende a diminuir a concentração das melhores universidades nas regiões Sul e Sudeste. Ela ressaltou ainda que países com grande tradição na universalização do ensino superior, com a Inglaterra, estão promovendo a diversificação do ensino médio. “Por isso, estão fazendo o movimento inverso, ou seja, implantando exames que se aliam aos mais gerais e direcionam para cursos e instituições com características determinadas,” comentou.