Em cinco anos de existência, o Núcleo de Estudos Judaicos da UFMG (NEJ), que tem caráter estritamente acadêmico e laico, publicou livros, faz circular uma revista e tem promovido eventos que reúnem pesquisadores de diversas áreas. Segundo a coordenadora do NEJ, professora Lyslei Nascimento, da Faculdade de Letras (Fale), a ideia geral de que o Brasil é um país receptivo a povos e culturas diferentes deve ser repensada. “Nosso papel é possibilitar cada vez mais diálogos e aproximações”, afirma Lyslei, nesta entrevista ao Portal UFMG. Que motivações, objetivos e conceitos determinaram a criação do NEJ? Quais são as publicações e eventos principais ligados ao grupo? Publicamos em 2009/2010: Borges e outros rabinos, pela Editora UFMG; A Bíblia e suas traduções, pela Humanitas/USP, e vários ensaios e artigos em periódicos nacionais e internacionais. Além disso, publicamos, desde 2007, a Arquivo Maaravi: revista digital de estudos judaicos da UFMG . Já no seu quinto número, com dossiês sobre Holocausto, Bíblia, humor, misticismo e crimes, a publicação tem entre seus articulistas pesquisadores renomados tanto do Brasil como da Argentina, Estados Unidos e Israel. Os seminários oferecidos pelo NEJ são mensais e pretendem, como as publicações, divulgar pesquisas, inclusive de pesquisadores externos à UFMG, como o que ocorrerá em abril, dirigido por Frei Jacir de Freitas Faria, sobre a literatura religiosa apócrifa. Nosso desejo é oferecer a pesquisadores, alunos e comunidade em geral, a oportunidade de ouvir e de debater sobre os temas dessa área de atuação acadêmica. O NEJ tem cumprido seus objetivos? Quais são os maiores sucessos, e as dificuldades? Quais são os planos para o futuro próximo?
O Núcleo de Estudos Judaicos da UFMG nasceu, em 2005, com o objetivo básico de reunir pesquisas desenvolvidas na instituição, em variadas áreas, em torno dos estudos judaicos. Eu já pesquisava a inscrição da tradição judaica na obra do escritor argentino Jorge Luis Borges e a literatura de imigração judaica no Brasil e na Argentina. Também na Fale, já havia, por parte de Carlos Gohn, estudos sistemáticos sobre a tradução de textos bíblicos e, na Escola de Belas-Artes, Luiz Nazario já tinha consolidada uma pesquisa sofisticada e inédita sobre cinema e Holocausto. O grupo se reuniu a partir de perspectiva multidisciplinar, agregando pesquisas sobre literatura, tradução, artes e cinema, em suas interfaces com a história, a filosofia, a sociologia e a psicanálise. Os conceitos partem da ideia de que a diversidade nos é cara e desejável.
Como é a atuação de um núcleo desse gênero no Brasil, em relação ao que acontece em outros países (tendo é vista que o país é considerado receptivo a povos e culturas diferentes)?
Creio que a ideia geral de que o Brasil é receptivo a povos e culturas diferentes deve ser repensada com cautela. A história do medo e da perseguição a imigrantes dos mais variados países e religiões no Brasil ainda não foi totalmente contada. A decantada “cordialidade brasileira” passa por simulações e dissimulações, além de um discurso de menos valia da religião alheia. Apesar de a Constituição Brasileira de 1988, de forma inédita, reafirmar os direitos garantidos nos tratados de direitos humanos e consagrar como direito fundamental a liberdade de religião, na prática, muitas vezes, e infelizmente, não é isso que vemos. Nosso papel, como núcleo de caráter estritamente acadêmico e laico, é possibilitar, por meio das pesquisas, cada vez mais diálogos e aproximações.
Atualmente, Nazario prepara a publicação de Imaginários da destruição: cinema nazista, que concentra parte de suas pesquisas sobre cinema e Holocausto; Mariângela Paraizo estuda a representação de cidades bíblicas na literatura; Leonardo Soares investiga as relações entre a obra do escritor eslavo Danilo Kiš e o universo ficcional de Bruno Schulz e Borges. Eu desenvolvo pesquisa sobre crimes, pecados e monstruosidades na literatura de expressão judaica, incluindo a literatura sobre a Shoah (Holocausto).
Depois de pouco mais de cinco anos de atividades – com cerca de cinco livros publicados, uma revista digital que segue para o sexto número, seminários mensais na Fale, orientações em pesquisas de graduação e pós-graduação e participação dos pesquisadores do NEJ em eventos nacionais e internacionais –, podemos dizer que sim, estamos cumprindo nossos objetivos. Nossa maior dificuldade é quanto aos recursos, sempre insuficientes, mas contamos com apoio da UFMG, da Fale, bem como do CNPq e da Fapemig, para desenvolver nossos projetos.
Em 2011, teremos um colóquio internacional, o segundo promovido pelo NEJ sobre a Bíblia e suas traduções. Esperamos, a partir de perspectiva ampla e multidisciplinar, trazer à UFMG especialistas dos mais variados campos do saber em torno dessa obra singular. Do primeiro colóquio, ocorrido em 2007, publicamos A Bíblia e suas traduções, a que já me referi. Novos seminários, mensais, abertos à comunidade interna e externa à UFMG, ocorrerão, bem como cursos e disciplinas na área dos estudos judaicos. Está no prelo o livro Estudos judaicos: Shoah, com ensaios sobre literatura, cinema e arte sobre o Holocausto, de Berta Waldman, Luiz Nazario, Marcio Seligmann-Silva, Moacyr Scliar, Nancy Rozenchan e outros convidados, que deverá ser publicado ainda neste ano. Além desses projetos, continuamos com a coordenação do convênio entre a UFMG e Bezalel Academy of Art and Design, em Israel, promovendo encontros entre os estudantes de graduação de ambas as instituições.