Em função da carência de estudos sobre o metabolismo do ferro nas crianças com doença falciforme, e devido à possibilidade de esses pacientes desenvolverem doenças relacionadas ao acúmulo de ferro no organismo, o Ministério da Saúde os exclui do programa de prevenção à anemia ferropriva, que consiste no enriquecimento das farinhas de trigo e de milho com ferro e no fornecimento de medicamentos que contenham esse nutriente. Porém, estudo desenvolvido pela pesquisadora associada do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad) da Faculdade de Medicina da UFMG Priscila Cezarino Rodrigues, indica que algumas crianças com anemia falciforme podem apresentar deficiência de ferro - doença nutricional de maior prevalência no mundo - e ser contempladas, sem riscos para sua saúde, por esse programa do Ministério. Financiado pelo Ministério da Saúde e com apoio do Nupad e da Fundação Hemominas, o estudo, parte de projetos de mestrado e doutorado da pesquisadora na Faculdade de Medicina da UFMG, avaliou o metabolismo do ferro em 135 lactentes de seis meses a dois anos de idade com doença falciforme diagnosticados pelo Programa Estadual de Triagem Neonatal de Minas Gerais (PETN-MG), na tentativa de determinar a propriedade de sua exclusão dos programas de combate à deficiência de ferro. E os resultados indicaram que, embora a maioria desses pacientes não tenha déficit de ferro, cerca de 18% dos participantes apresentaram carência significativa do nutriente. A pesquisa indicou, ainda, que apenas pouco mais de 11% dos participantes tinham acúmulo de ferro no organismo - na maioria das vezes, associado às transfusões de sangue. Por isso, a pesquisadora destaca que crianças com doença falciforme SC - variante da enfermidade com menos complicações e menor necessidade de hemotransfusão -, em princípio, não teriam contraindicação ao uso da profilaxia com o ferro, enquanto as crianças com a variante SS devem ter essa suplementação avaliada individualmente. “As crianças na faixa etária de seis meses a dois anos de idade têm indicação de receber alimentação rica em ferro devido ao crescimento acelerado do organismo. A falta de ferro pode levar a prejuízos no crescimento e no desenvolvimento neuropsicomotor da criança, com consequências irreversíveis caso essa carência seja prolongada, como dificuldade de aprendizado na escola e redução da capacidade de trabalho na vida adulta”, explicou a pesquisadora. “Esta pesquisa é importante no que diz respeito aos cuidados nutricionais com as pessoas com doença falciforme, pois demonstra a coexistência de deficiência de ferro, numa fase de desenvolvimento, que pode ser prejudicial à aquisição de habilidades cognitivas em médio e longo prazo”, completou a pesquisadora associada do Nupad. De acordo com a especialista, o estudo é importante principalmente para os hematologistas pediátricos e pediatras, especialmente os que trabalham com os cuidados primários, devido à alta prevalência de anemia ferropriva na população geral - 12% a 40% das crianças em Minas Gerais - e de suas complicações, essencialmente quando co-ocorre com a doença falciforme. “O conhecimento dessas particularidades é importante para não permitir que se junte a vários fatores próprios da doença falciforme que podem prejudicar o crescimento e desenvolvimento adequados, uma carência nutricional prevenível de forma simples, segura e eficaz, disponível nos postos de saúde”, concluiu a pesquisadora. (Assessoria do Nupad)