Que a parcela de idosos (acima de 65 anos) na população brasileira quase triplicou de tamanho nas últimas seis décadas é fato. Mas viver mais é viver melhor? Essa foi a pergunta que motivou a demógrafa Luisa Pimenta Terra a desenvolver dissertação de mestrado na UFMG, com o intuito de analisar a esperança de vida feliz no país. Com base em dados de 1997 e de 2006, levantados pela pesquisa World Values Survey e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ela constatou que, mesmo avaliando a própria saúde como ruim e sentindo-se insatisfeitos com a vida, os brasileiros adultos – mais de 20 anos – “continuam considerando-se felizes”. O estudo também revelou que os homens vivem proporcionalmente mais felizes do que as mulheres em todos os grupos etários. A dissertação também traz à tona a discussão sobre qualidade de indicadores sociais, que mobiliza demógrafos e cientistas sociais de todo o mundo. Até a década de 1980, a medida do Produto Interno Bruto (PIB) era considerada satisfatória para avaliar as condições dos países, mas a partir de 1990 foi substituída em certas pesquisas pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado como medida alternativa pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Para Luisa Terra, o estudo da felicidade tem crescido de importância entre demógrafos, pois se trata de “medida global da saúde mental das pessoas”, que poderia inclusive servir para refinar a composição do IDH. “O índice criado pelo PNUD considera a esperança de vida, que hoje é alta em muitos países. Talvez fosse mais interessante trabalhar com as ideias de esperança de vida saudável, de vida feliz ou, ainda, de vida ativa, que oferecem mais informações”, sugere. Saúde Com relação ao dado segundo o qual os homens vivem proporcionalmente mais felizes do que as mulheres em todos os grupos etários, Luisa Terra apresenta uma hipótese. “Talvez seja uma questão de consciência, pois eles se consideram menos doentes e mais felizes”, deduz. “É comprovado que o homem vai menos ao médico, o que parece demonstrar uma autopercepção de vida saudável ou menor preocupação com a saúde”, completa. Apesar das diferenças percebidas entre os sexos, a pesquisa mostra que, de 1997 para 2006, houve aumento absoluto e relativo da esperança de vida feliz para ambos os sexos, evidenciando o chamado processo de compressão da infelicidade, ou seja, diminuição da proporção do tempo vivido com infelicidade. “As pessoas estão vivendo mais tempo se considerando felizes. Em suma: viver mais é viver melhor”. Os dados utilizados na dissertação foram colhidos da World Values Survey, pesquisa realizada há três décadas em diversos países. No Brasil, foi aplicada em um universo de aproximadamente duas mil pessoas acima de 18 anos. “É um trabalho extremamente relevante porque mede mudanças nos valores sociais, como religião, questões de gênero, boa governança, participação política, tolerância, proteção ao meio ambiente e bem-estar, englobando itens como satisfação, felicidade, relações familiares e profissionais, entre outros”, descreve. Já os dados referentes às taxas brasileiras de mortalidade foram coletados do IBGE. Luisa Pimenta Terra pretende, no doutorado, aprofundar o estudo do tema, com a utilização de outras bases de dados, assim como associar a esperança de vida feliz a informações sobre depressão, suicídio e estresse (Boletim UFMG, edição 1693)
Para chegar a essa avaliação, Luisa Terra utiliza a autopercepção de felicidade, considerada atualmente como bom indicador de qualidade de vida, por englobar aspectos como saúde física e mental, situação socioeconômica e de emprego e, principalmente, o efeito desses aspectos na existência de cada indivíduo.
Como desdobramento natural do tema pesquisado, Luisa Terra procurou entender as condições de saúde dessa parcela que está vivendo mais. Segundo ela, há pelo menos duas teorias que discutem o assunto. Uma corrente acredita que a população vive mais devido a uma queda na morbidade, isto é, porque adoece menos. Para outros pesquisadores, a longevidade tem crescido apesar de as pessoas continuarem a adoecer. A queda da mortalidade por enfermidades como aids resulta no aumento das estatísticas de morbidade porque essas pessoas, antes fadadas a morrer mais cedo, são agora pacientes crônicos. “Há um impasse sobre o que seriam as tendências da qualidade de vida e da morbidade, mas há evidências de que as pessoas vivem mais tempo se considerando felizes do que se considerando saudáveis”, afirma a demógrafa.