A princípio, combinar música eletrônica com o brega nordestino pode parecer improvável, mas essa é uma fórmula que tem feito sucesso há quase uma década no Pará. Mais do que uma fusão de estilos musicais, o tecnobrega ganhou as festas populares nas regiões norte e nordeste inaugurando um modelo próprio de distribuição de CDs, DVDs e músicas. Sem contrato com gravadoras, os próprios artistas distribuem de forma independente sua música para vendedores ambulantes. Os hits são tocados pelos DJs e pelas rádios livres e, assim, a cena se sustenta. A lógica desse mercado e a natureza musical do tecnobrega são tema da palestra "Mau gosto" estético e cosmopolitismo na produção e performances do tecnobrega em Belém do Pará, que acontece hoje, às 16h, na sala 9 da Escola de Música da UFMG. Em entrevista ao Portal UFMG, o palestrante convidado Paulo Murilo Guerreiro do Amaral, do Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará, adianta alguns assuntos que serão abordados em sua apresentação. O tecnobrega se sustenta em modelo particular de distribuição de músicas e divulgação dos artistas. Esse modelo pode ser considerado uma alternativa para a crise do mercado fonográfico? O tema de sua palestra utiliza o termo “mau gosto estético”. Como o estudo do tecnobrega é visto no meio acadêmico? Quais as contribuições que o estudo desse gênero pode oferecer às pesquisas contemporâneas no campo da música? Acredito que, se incluído o tema do gosto musical nas pesquisas contemporâneas etnomusicológicas abordando músicas populares (especialmente as urbanas), as atenções deixariam de se voltar quase que exclusivamente à música indígena, aos rituais afro-brasileiros e às chamadas "músicas tradicionais". A nossa responsabilidade é mais extensa e também mais profunda. O tecnobrega exibe traços muito fortes e característicos da cultura e do povo paraense. Na sua opinião, o tecnobrega pode ser considerado um fenômeno exclusivamente local?
O modelo é sustentável, sim, inclusive no sentido de uma resposta criativa à crise mundial dos mercados fonográficos. No entanto, deste modelo "independente" (para orgulho dos que atuam diretamente no universo da produção do tecnobrega) emergem algumas ambiguidades, sobre as quais pude comentar em meu relatório final de pesquisa. Uma delas diz respeito às parcerias entre bandas e agentes ligados à indústria cultural de massa, de modo particular a TV aberta. Em termos estritamente musicais, por exemplo, produtores de estúdio costumam ouvir no rádio as músicas mais tocadas nas hit parades internacionais, justamente para que, a partir delas, possam construir "versões" com potencial de sucesso na batida do tecnobrega. A regra poderia ser a seguinte: uma vez reconhecida como música já existente, a "versão" poderia cair mais facilmente nas graças dos admiradores das bandas, dos frequentadores de festas populares e dos diferentes públicos que se reconhecem (por mais que muitos não admitam) dentro da estética "brega" do tecnobrega. Ao fim e ao cabo, o modelo é sustentável, sim, mas não completamente.
Dependendo de quem "vê", o estudo da música de "mau gosto" pode causar admiração ou repulsa, muito mais repulsa do que admiração. E é nessa hora que a academia golpeia fatalmente a sua própria alma, deixando de refletir sobre músicas que, mesmo sendo de "mau gosto", correspondem àquilo que está sendo produzido, divulgado e consumido local, regional, nacional e internacionalmente. Não basta dizer que o Brasil vive uma fase de mediocridade na produção musical, se encher de saudade da "boa" música e sair por aí falando mal dos oportunistas fazedores de "versões" e altamente capazes no trato computacional (em vez de no trato musical, em termos mais clássicos) – provavelmente as duas características mais emblemáticas do tecnobrega. No caso da academia, isto seria inadmissível. O nosso papel é outro e não pode ser esquecido, independentemente do gosto musical que temos (e que deve ser respeitado).
A localidade existente no tecnobrega está contida num conceito mais abrangente, o de cosmopolitismo. Falo aqui não do cosmopolitismo mais popular, ligado a deslocamentos físicos, mas de um cosmopolitismo que se dá sem que o indivíduo necessite sair de casa, ou ainda, que traz para o tempo presente referenciais passados e até futuros que se fixam na estética dessa música. Portanto, um cosmopolitismo imaginado em suas dimensões de espaço e tempo, simultaneamente.