A aids não tem cura, mas seu tratamento evoluiu tanto nos últimos anos que a doença já é vista como uma diabetes – se não é possível eliminá-la, pode-se conviver relativamente bem com ela. Apesar disso, o índice de portadores do HIV que não aderem ao tratamento pode variar de 23% a 75%, dependendo das fontes de pesquisa. A conclusão consta da dissertação do infectologista Gustavo Machado Rocha, defendida na Faculdade de Medicina da UFMG no mês passado. Entre 2001 e 2003, Machado Rocha acompanhou o tratamento de 288 pacientes atendidos no Hospital Eduardo de Menezes e no Ambulatório Orestes Diniz do Hospital das Clínicas da UFMG. Desse total, 28% desistiram do tratamento já no primeiro ano e cerca de um terço tomou menos de 95% da quantidade de medicamento necessária. O levantamento de Gustavo Rocha baseou-se em três frentes: os prontuários médicos, que revelaram que 23% dos portadores do HIV não aderiram ao tratamento, os próprios pacientes – 32% declararam não seguir as prescrições de seus médicos – e as farmácias dos ambulatórios, cujos registros apontam que 47% dos pacientes não retiravam os medicamentos com a regularidade necessária e 28% abandonaram o tratamento no primeiro ano. A pesquisa também revelou que a maioria dos pacientes acompanhados – 68% – iniciou o tratamento tardiamente, quando já haviam desenvolvido alguma doença oportunista ou estavam com a imunidade baixa. Na opinião do pesquisador, o fato de muitos infectados não acreditarem no sucesso do tratamento também contribui para a baixa adesão. “Os brasileiros pensam que, se o resultado for positivo, eles invariavelmente vão morrer logo. Essa é uma impressão falsa, que precisa acabar”, defende o infectologista. Segundo ele, a pessoa que adere ao tratamento terá tempo de vida semelhante ao de uma pessoa não infectada, ao passo que o não aderente certamente desenvolverá doenças relacionadas à aids, com o risco de morrer em poucos anos. Pessoas de baixa escolaridade e renda e usuários de drogas estão entre os grupos mais propensos a usar a medicação de forma irregular. Gustavo Rocha defende que os pacientes sejam acolhidos por uma equipe multiprofissional, capaz de lidar com outros aspectos envolvidos no tratamento. “O ideal é dispor de enfermeiros, psicólogos, infectologistas, assistentes sociais e farmacêuticos, entre outros profissionais”, enumera. O levantamento considerou como aderente ao tratamento o paciente que declarou tomar pelo menos 95% dos medicamentos indicados, que os retirava mensalmente das farmácias dos ambulatórios ou que não tinham qualquer registro de não adesão no prontuário médico. A pesquisa compõe o Projeto Atar, estudo prospectivo de adesão ao tratamento antirretroviral em indivíduos infectados pelo HIV/aids, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisas em Epidemiologia e Avaliação em Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG. Estima-se que no Brasil existam 600 mil infectados com o vírus HIV, dos quais cerca de 180 mil estão em tratamento. De acordo com os resultados de revisão, Gustavo Rocha calcula que aproximadamente 60 mil pacientes podem, de fato, estar fazendo uso irregular dos antirretrovirais. Leia a reportagem completa na edição desta semana do Boletim UFMG