“Em 2004, no estado de Minas Gerais, 32% dos domicílios estavam em insegurança alimentar. Isto significa que quase um milhão e setecentos mil domicílios não tiveram acesso pleno à alimentação na quantidade adequada. Nos domicílios em que residem pelo menos um morador com 65 anos ou mais, o percentual de insegurança alimentar declina para 26%”. Essa é uma das conclusões presentes em estudo recente de autoria de pesquisadoras da UFMG e da Fundação João Pinheiro, dedicado a investigar os principais fatores associados à insegurança alimentar dos domicílios com idosos em Minas Gerais. Utilizando dados da Pesquisa Nacional de Domicílios (Pnad) de 2004, as autoras extraíram informações que podem subsidiar políticas públicas destinadas a melhorar o acesso a alimentos entre idosos, favorecendo o envelhecimento saudável e reduzindo os gastos em saúde. As investigações possuem valor extra uma vez que levam em conta a mudança do perfil demográfico da população brasileira, cuja tendência é de envelhecimento. A conclusão mais evidente apresentada no artigo sobre o fator que impacta a insegurança alimentar desses grupos em Minas Gerais refere-se à renda familiar. “A passagem de um estrato de renda maior para outro subsequentemente menor representa mais do que o dobro de chance de insegurança alimentar para o domicílio”, exemplificam Luiza de Marilac de Souza (FJP) e Carla Jorge Machado (UFMG), líderes do estudo. Também para os demais extratos da população do Brasil, a maior causa da fome é a insuficiência de renda. As pesquisadoras observam que isso faz com que um terço dos brasileiros tenha dificuldade de acesso aos alimentos na quantidade necessária para suprir suas necessidades básicas. Como contextualizam, o problema, em todo o mundo, obedece também a essa lógica. “Ter acesso à alimentação não está vinculado apenas à disponibilidade, já que a produção interna de alimentos é mais do que suficiente para abastecer a população”, escrevem. Mas, além desse aspecto, outros fatores identificados pelas autoras se revelaram importantes na determinação da insegurança alimentar: o fato de os idosos residirem em áreas rurais, receberem benefícios de programas sociais do governo federal e o chefe de seu domicílio ser mulher e de cor preta. Essas variáveis não estão, necessariamente, associadas na configuração do problema, conforme esclarecem. Elas explicam ainda que, ao abordar a questão, é preciso levar em conta um conceito de insegurança alimentar relacionado a aspectos preventivos: “nele estão incluídas as pessoas que são afetadas por uma dieta insuficiente e também aquelas que estão vulneráveis e em risco de vivenciar a restrição alimentar”. Segundo Luiza de Marilac e Carla Jorge, para classificar os domicílios quanto à situação de segurança alimentar foi utilizada a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), que permite a categorização em quatro níveis: segurança alimentar, insegurança alimentar leve (em que está presente a preocupação com a restrição e os moradores fazem suas escolhas a partir do preço), moderada (adultos reduzem consumo) e grave (em que adultos e crianças são afetados pela falta de alimento). Os domicílios considerados como em segurança alimentar são aqueles que não apresentam qualquer evidência de restrição. A escala brasileira foi construída a partir da norte-americana e sua utilização no país ocorreu pela primeira vez na Pnad de 2004, no Suplemento de Segurança Alimentar. Números Quanto à localização, o estudo verifica que 68% dos domicílios urbanos com idosos em Minas encontram-se em segurança alimentar. Na área rural o índice é um pouco maior: 69,1%. Estatisticamente, analisam as autoras, os dados significam que os domicílios urbanos apresentam chance 49% menor de estarem em insegurança alimentar. O número de moradores numa mesma residência também mostra ter peso no problema: “76,2% dos domicílios unipessoais estavam em segurança alimentar, ao passo que entre os domicílios com sete ou mais moradores o percentual diminui para 39,6%”, registram as pesquisadoras. Dados sobre residências beneficiárias de programas sociais do governo federal mostram que 58% delas estavam em situação de insegurança. Tempo de estudo, raça/cor e sexo são outros fatores importantes para conhecer a questão. “70,5% dos domicílios cuja pessoa de referência era homem estavam em segurança alimentar, situação em que também se encontravam 61,9% dos domicílios cuja pessoa de referência era uma mulher”, mostra o estudo. Sobre a cor, 76,8% das residências lideradas por brancos encontram-se em situação segura. Entre os negros, o percentual cai para 52,5%, e para os pardos, vai a 60,9%. Estatisticamente, os dados mostram que residências com chefia feminina “têm chance 76% maior de estar em insegurança alimentar. Com relação à raça/cor, entre os domicílios nos quais a pessoa de referência é branca, a chance de estarem em insegurança alimentar é 68% menor, comparativamente à categoria de referência (preta). Quando a pessoa de referência é parda, a chance de o domicílio estar inseguro é 28% menor, comparado à categoria de referência”. Sobre o tempo de formação educacional, Luiza de Marilac e Carla Jorge identificaram uma relação inversa entre anos de estudo da pessoa de referência e o estado de incerteza alimentar. “Ao passo que 77,8% dos domicílios cuja pessoa de referência tinha mais de quinze anos de estudo estavam em segurança alimentar, 45,6% daqueles compostos por pessoas que freqüentaram a escola menos de um ano viviam situação de restrição alimentar”, resumem. O artigo A insegurança alimentar em domicílios com idosos – Minas Gerais, 2004, foi apresentado no Seminário sobre Economia Mineira, promovido pela Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, na última semana de maio, em Diamantina.
Seguindo tendência norte-americana, domicílios brasileiros compostos por famílias com crianças possuem maior probabilidade de serem inseguros.“Para 2004, foi constatado que 4,6% da população brasileira com 65 anos ou mais estavam em insegurança alimentar; já entre aquelas menores de 18 anos, esse percentual foi de 10,3% (IBGE, 2006). Apesar desse efeito positivo da presença de idosos, as autoras relembram que a literatura científica constata haver danos mais severos à saúde entre eles, frente à redução do consumo de alimentos, o que elevaria índices de mortalidade nesse grupo.