Pensar a arquitetura religiosa do século 18 em Minas Gerais à luz de preceitos daquela época. Era esse o principal desafio do professor Rodrigo Bastos, da Escola de Arquitetura da UFMG, ao iniciar sua tese de doutorado em 2005. Até então, a arquitetura do período era analisada a partir de conceitos dos séculos 19 e 20, como originalidade, evolução de estilos e partido. A pesquisa começou no mestrado, em 2003, quando Bastos se propôs a revisar um senso comum existente na história do urbanismo. “Na historiografia das cidades do século 18, predominava, sobretudo em Minas Gerais, a ideia de que elas teriam sido espontâneas, desordenadas e irregulares”, observa. Por meio do estudo sistemático das formações urbanas, de documentos primários e tratados de época, o professor provou, no entanto, que tais povoações seguiam preceitos fundamentais – como as doutrinas de conveniência e adaptação – que balizavam cidades erguidas em Portugal e em suas colônias. No doutorado, ele ainda se debruçou sobre a reconstituição histórica do sentido de doutrinas e preceitos antigos, como decoro, decência, formosura, asseio, elegância, engenho, maravilha, discrição e agudeza, cujos sentidos acabaram transformados ou esquecidos a partir do século 19. “A palavra asseio é empregada, desde o século 19, com o sentido de higiene e limpeza. Mas no século 18, e até antes, referia-se a fábricas e objetos inventados e executados com elegância e primor”, diz. Para desenvolver a pesquisa, Rodrigo Bastos estudou latim e recorreu novamente a documentos primários, disponíveis em Belo Horizonte, Mariana, Ouro Preto, Rio de Janeiro, Portugal e Itália. Ele também analisou tratados de arquitetura, retórica, poética e teologia da época. Defendida no ano passado, sua tese, intitulada A maravilhosa fábrica de virtudes: o decoro na arquitetura religiosa de Vila Rica, Minas Gerais (1711-1822), recebeu em junho último o Prêmio Marta Rossetti Batista, do Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Segundo o docente, a mentalidade artística do século 18 determinava a imitação do ‘costume’, o que pressupunha que as obras deveriam ser produzidas a partir de um modo ‘comprovadamente’ correto para os padrões da época. “Isso repousa em um conceito fundamental daquele tempo, o decoro”, pontua. Todas as obras, diz Bastos, deveriam observar o preceito, principalmente a arquitetura, na qual se acomodavam todas as demais artes de representação e ornamentos. Ainda segundo o professor, o conceito de decoro abriu uma janela inédita para a compreensão dos demais preceitos antigos. “Ele se baseava na busca de uma beleza adequada, e uma obra arquitetônica só poderia ser pensada como bela ou eficaz se fosse útil, cômoda e proveitosa”, resume. Nada originais Ao analisar três das principais igrejas de Ouro Preto (a matriz do Pilar e as capelas do Carmo e de São Francisco de Assis) e seus documentos primários, ele também descobriu aspectos que ainda não haviam sido abordados pela historiografia.“Trata-se de interpretações renovadas da iconografia arquitetônica ou elementos que tinham sido demolidos dos edifícios e que podemos reconstituir historicamente através dos documentos”, conta. O principal elemento, aponta Rodrigo Bastos, foi um zimbório de madeira construído no teto da capela-mor da igreja matriz do Pilar. Elemento comum na arquitetura europeia, o zimbório geralmente era alçado por cima de cúpulas e abóbadas que recobriam altares e capelas, permitindo a entrada de luz zenital, um símbolo da ressurreição de Cristo. O zimbório, que integrou o corpo da igreja durante 16 anos, foi demolido em 1770 devido a infiltrações.
Para Rodrigo Bastos, seu trabalho abre novas possibilidades de investigação do patrimônio arquitetônico luso-brasileiro. “Muito se fala que Aleijadinho e outros artistas foram originais, mas eles sequer consideravam isso”, pondera. Eles imitavam obras e autoridades consagradas do gênero assegurando o costume, a eficácia e o decoro. O professor também sugere a revisão da noção de que esses artistas eram geniais. “Seria melhor tratá-los como ‘engenhosos’, conceito que na época reconhecia as virtudes da invenção artística”, argumenta.