Marginal, segundo o dicionário Aurélio, pode significar, entre tantas outras coisas, vagabundo e delinquente. Esses são os estereótipos com os quais o infrator da lei é obrigado a conviver. Mas será que o que a sociedade pensa deles corresponde à verdade? Eles se arrependem? Qual a alternativa que têm para dar visibilidade a seus anseios? Essas são algumas questões que perpassam a dissertação Correspondência do cárcere: um estudo sobre a linguagem do prisioneiro, apresentada, em 2009, na Faculdade de Educação, por Rosana de Mont’Alverne Neto, advogada e funcionária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). O trabalho desenvolvido por meio da análise de conteúdo das correspondências e tendo por base a teoria de Bakhtin, segundo a qual qualquer discurso carrega em si elementos do contexto social e cultural de quem o elabora, mostrou que os presos, geralmente pessoas das camadas menos favorecidas da população, pouco escolarizados e jovens, querem, principalmente, serem ouvidos. Essa vontade de ser percebido fica evidente em alguns elementos de seus textos, como a tentativa de usar uma linguagem técnica semelhante à empregada pelos profissionais do direito. “Os presos, geralmente, enviam cartas pedindo para serem libertados, pois já passou o período de cumprimento da pena. O seu discurso, ao contrário do que se espera, é articulado e tenta aparentar erudição. É uma tentativa clara de ser escutado e compreendido, para que suas queixas sejam reconhecidas pelo outro interlocutor”, aponta Rosana. A pesquisadora também observou que os detentos escrevem para se livrar de “estigmas” e para reforçar seu pertencimento a grupos, como o familiar, e se revelarem religiosos. “Eles tentam se apresentar como boas pessoas, pois têm consciência de que tanto a mídia, quanto a sociedade os tomam como pessoas ruins, sem direito de desculpas ou arrependimento”, expõe. A motivação para a dissertação foram as mais de 16 mil cartas por ano que os presos enviam para o TJMG. Rosana decidiu selecionar algumas correspondências e analisar o conteúdo delas. “Eu soube da existência da interlocução entre presos e juízes quando fiz estágio no tribunal. Via aqueles papéis de carta, diferentes de todos os outros documentos circulantes e me perguntava o que era aquilo. Um dia descobri que eram pedidos feitos por prisioneiros. Anos depois, decidi estudar o que eles pretendiam com elas”, expõe Rosana. Para o trabalho, foram selecionadas 800 cartas enviadas no ano de 2006 e, após avaliação qualitativa, 80 serviram de base para a elaboração do perfil dos presos. Resposta “Há muito, as correspondências são respondidas em códigos que nem mesmo alguns advogados sabem decifrar. Os presos, embora tivessem o retorno do tribunal, não tinham uma resposta efetiva”, explica. O intuito do projeto, alerta a autora, não é a simples resposta. Ele tem por propósito corresponder às expectativas dos detentos e evitar que eles se revoltem, ou tomem qualquer medida drástica. “Grande parte das rebeliões que ocorrem nos presídios são resultado de queixas e demandas que não foram atendidas pelos responsáveis”, diz. Leia trecho de carta escrita por detento, que consta no estudo de Rosana de Mont’Alverne Neto “Almenara MG 08-09-06 Saudações cordiais
Rosana Mont’Alverne apresentou ao TJMG proposta que previa a formação de um grupo encarregado de responder de forma objetiva e clara as cartas dos presos. A sugestão foi aceita e implantada este mês no Tribunal, em parceria com a UFMG, a OAB e a Secretaria de Defesa Social, com o nome de Projeto Resposta.
Senhor desembargador (...) peço que me ajude pois tenho três filhos e também tenho problemas de saúde, tenho que fazer hemodiálise (...) Já estou em direito de condicional, tenho bom comportamento (...) Sou de família fraca e não tenho condições de pagar advogado por isso peço pelo amor de deus me ajude pois estou sofrendo demais.(...)
Muito obrigado!
Ass A. C. O.”