O conferencista de abertura do Seminário Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável é um Prêmio Nobel. José Antônio Marengo Orsini, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é um dos cientistas que integram o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas, que, em 2007, dividiu com o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, o Prêmio Nobel da Paz. Um reconhecimento ao grupo que fez um alerta ao mundo: o clima está mudando – e para pior. Ao comentar a façanha, Marengo brinca. “Sim, sou um Nobel, mas não como Vargas Llosa, que ganhou o dele sozinho. O meu foi um pedacinho”, lembra ele, orgulhoso do compatriota peruano, recém-agraciado com o Nobel de Literatura. Nesta quinta-feira, dia 21, a partir de 9h, na Faculdade de Ciências Econômicas, Marengo, que coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Mudanças Climáticas do Inpe, discorrerá sobre as mudanças climáticas em um dos ecossistemas mais importantes do mundo: a Amazônia. Entre cauteloso e preocupado, o pesquisador lembra que a substituição da mata tropical por vastas plantações de soja vem fazendo com que o Norte do Mato Grosso e o Sul do Pará apresentem comportamento típico de Cerrado, mas diz que ainda é cedo para avaliar o impacto das mudanças climáticas sobre a biodiversidade. “Estamos no plano da projeção de modelos. Não dá para dizer que já esteja acontecendo no presente”, diz ele, na entrevista abaixo, concedida ao Portal de Notícias da UFMG. O senhor poderia antecipar detalhes de sua conferência no Seminário? O senhor citaria algum impacto mais visível? Ou seja, é algo muito recente ainda, não há um histórico que permite comparações mais aprofundadas... Mas há indícios... Como as mudanças climáticas podem interferir no ecossistema amazônico? De alguma forma a natureza dá o seu jeito... Como a ‘savanização’ ou a ‘cerradização’ da Amazônia poderia interferir no ecossistema planetário? Temos no Brasil um exemplo de ecossistema praticamente extinto, a Mata Atlântica, que conserva apenas 10% de sua biodiversidade, predominantemente em reservas protegidas. No caso da Amazônia, ainda é possível fazer com que ela se regenere, recupere o viço de outros tempos ou pelo menos se mantenha nos atuais patamares? O governo alega que o desmatamento vem caindo continuamente. Isso ajuda ou ainda é muito pouco?
Minha intenção é discutir um pouco as consequências climáticas na biodiversidade, com mais ênfase na Amazônia e no Nordeste, onde já se nota a substituição da floresta e da caatinga por outro tipo de vegetação.
Não temos ainda indicadores muito claros. O que se pode falar é que no Sul do Pará e no Norte do Mato Grosso a floresta está sendo substituída por soja. São regiões que estão se comportando como cerrado e, caso mantenham a tendência, esse cenário pode chegar até o Norte da Amazônia. De qualquer forma, para projetar os impactos das mudanças climáticas sobre a biodiversidade no futuro, teríamos que ter um bom conhecimento sobre os impactos das variabilidades climáticas sobre a biodiversidade atual, e há muitos poucos estudos sobre isso.
Não, não há. Temos poucos estudos, como os do Progama Biota, financiado pela Fapesp. Ainda são incipientes. Quando falamos da substituição da floresta amazônica pelo Cerrado, isto ainda está no plano da projeção de modelos. Não dá para dizer que já esteja acontecendo.
Indícios há. Temos evidências, mas não conseguimos juntá-las. Em 2010, tivemos, por exemplo, uma grande seca na Amazônia, e a anterior foi em 2005. Mas me parece que isso está muito mais associado a uma variabilidade natural do clima do que a uma mudança climática ou uma ‘savanização’ da Amazônia.
Todo ecossistema está em equilíbrio com as condições climáticas vigentes. Se no futuro tivermos um clima mais quente ou seco, chegaremos a um equilíbrio diferente do que existe hoje. Se o clima da Amazônia, que hoje é quente e úmido, vir a ser substituído no futuro por um clima ainda quente, mas seco, o único modo de manter esse equilíbrio é pela substituição da floresta tropical por outro tipo de vegetação. E aí há quem diga que poderá haver uma ‘savanização’; outros acreditam no surgimento de uma floresta sazonal, menos verde no período seco e mais densa durante as chuvas.
Exatamente. A única forma de restabelecer o equilíbrio é por meio de mudanças na biodiversidade, e a vegetação tende a fazer isso com mais rapidez. O solo, por exemplo, leva milhares de anos para mudar, enquanto a vegetação pode se alterar em algumas décadas.
Como já destaquei anteriormente, se os vários ecossistemas mudam, haverá, no futuro, um grande rearranjo global. O planeta entraria em um novo equilíbrio, e nós certamente teríamos ecossistemas diferentes dos atuais. Os impactos poderão ser grandes para a população, mas o sistema tende a se reequilibrar. Algumas espécies poderão desaparecer, outras poderão surgir ou migrar. A Terra não vai se transformar numa bola seca. Todo o sistema se reorganiza.
No caso da Mata Atlântica, existem algumas experiências de reflorestamento, mas essa é uma alternativa muito demorada. Para a Amazônia, a única alternativa parece ser o fim do desmatamento ou pelo menos uma desaceleração. Não se substitui verde por verde, ou seja, não se troca uma floresta por outra – de eucalipto, por exemplo. Se não é possível acabar com o desmatamento, que pelo menos diminuam o ritmo de derrubada da floresta, para, pelo menos, manter as condições atuais.
É uma boa notícia. É como se alguém anunciasse, hipoteticamente, que o número de pessoas que morrem de fome nas ruas caísse de duas mil para 1.990 pessoas. Esse problema não deveria existir. É como se dissessem: estamos resolvendo o problema por partes. O ideal seria o desmatamento zero.