A prática da remoção de populações pobres ocorre no espaço urbano da capital mineira desde sua fundação, em 1897. A partir dos anos 1990, uma nova variável – a participação popular – vem sendo incorporada, como componente que supostamente tornaria mais democrático o processo de desocupação de vilas e favelas. Em dissertação defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Geografia do Instituto de Geociências (IGC), a socióloga Erika Lopes afirma que não há como comprovar relação direta entre a participação das famílias nas etapas do projeto de remoção e uma maior apropriação do novo espaço de moradia. Segundo a pesquisadora, se a expulsão dos pobres para a periferia de Belo Horizonte deixou de ter o cunho de limpeza social respaldada por ações policiais, as remoções em vilas e favelas continuam a ser feitas e caracterizam o que ela chama de “desfavelamento de novo tipo”, ou seja, a desocupação de parcelas do espaço urbano, tornando-os mais atraentes para o mercado imobiliário. Essa prática se caracteriza como de “novo tipo” porque traz consigo o componente da participação orientada como ingrediente na gestão das cidades. “Isso reforça a lógica do espaço instrumentalizado e da cidade como mercadoria, que atende a uma parte da população que vai usufruir da nova configuração local”, analisa. Assim, a retórica da urbanização planejada e participativa – institucionalizada em esferas como fóruns, conselhos e audiências públicas – “tem sido a base de um discurso hegemônico em que se apregoa que o fato de garantir espaços de discussão que incluam a população-alvo de processos de remoção, por si, garante o exercício pleno da democracia”, detalha a socióloga. Para a pesquisadora, nesses processos há pelo menos duas questões preocupantes: a pouca atenção dada aos impactos sociais, econômicos e emocionais sobre as populações removidas e o uso da participação comunitária como elemento legitimador desse tipo de intervenção urbana. Linha Verde No caso da Linha Verde, o Plano de Remoção e Reassentamento (PRR) deveria ter sido resultado de um consenso construído com os moradores das vilas. “No entanto, esse suposto desejo de exercício democrático por parte do poder público não conseguiu ser efetivado”, informa a socióloga, ao afirmar que a relação entre participação e maior apropriação da nova moradia não se confirmou. Tanto que 24% das famílias, em menos de dois anos de reassentamento, não moram mais nas casas que, em tese, elas escolheram. Erika Lopes destaca que em grandes projetos de intervenção viária a população afetada não é chamada para discutir sobre a real necessidade da obra, mas apenas para legitimar o processo. “Assim, não ocorre uma construção coletiva em que sejam postas as discordâncias e divergências em relação à necessidade da obra. A participação dos moradores das vilas se reduziu a reuniões informativas e orientadas para um processo em pleno andamento”, analisa. Entre os motivos da baixa fixação na nova moradia, Erika Lopes supõe estar a quebra de vínculos familiares, aumento de gastos financeiros e relação das pessoas com a casa e com a vila de onde vieram. Segundo a socióloga, que é analista técnica da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel), as vilas representaram o local onde essas pessoas puderam desfrutar de maior sensação de pertencimento no espaço urbano. “Já o espaço da casa revela o seu valor de uso e não simplesmente o de troca, como pensam alguns planejadores. Envolve noções ligadas ao subjetivo, ao emocional, adquirindo centralidade, pois tem funções importantes devido a sua localização, facilidade de acesso e meios de subsistência”, acrescenta. Segundo Érika, é preciso entender esse ponto de vista dos moradores para compreender a resistência em deixar um local com inúmeras situações de precariedades. Em sua opinião, o poder público, que continua planejando esse tipo de intervenção, impõe um padrão de morar, em geral verticalizado, que é um típico valor de classe média. (Boletim UFMG, edição 1.724)
Na dissertação orientada pelo professor Geraldo Magela Costa, do IGC, Erika optou por estudar o projeto de intervenção viária Linha Verde, que removeu e reassentou, no prazo de dois anos, mais de 900 famílias, totalizando mais de duas mil pessoas. Na pesquisa, a socióloga tentou perceber se a participação de um indivíduo nas etapas de um projeto de remoção fazia com que ele se adaptasse mais facilmente às mudanças advindas do novo espaço de moradia, apropriando-se dele a ponto de não se mudar desse local rapidamente. “Essa questão advém do fato de que, atualmente, uma variável avançada em sua essência, mas destituída de alguns sentidos na prática, vem se fazendo necessária como condição democrática para a execução de projetos de intervenção urbana:a participação popular”, justifica a pesquisadora.