Tese mostra como estimular conhecimento do corpo para ensinar desenho

Quando ensaiou os primeiros traços na graduação da Escola de Belas-Artes (EBA), ele chamou a atenção da professora Sandra Bianchi por um estilo peculiar de desenhar. Ela perguntou se ele havia trabalhado com o corpo e a resposta foi positiva: o aluno tinha formação em dança. A percepção da professora marcou o início de uma trajetória marcada pela exploração do conhecimento do corpo no ensino do desenho. Eugênio Paccelli Horta tornou-se professor da Escola, fez mestrado e acaba de defender a tese de doutorado Desenho inscrito no corpo.

"O deslocamento da mão no papel não é apenas o registro da linha, é um movimento corporal", defende Eugênio Horta, que aplica na sala de aula experiências básicas da dança e do teatro, como ritmo e composição do espaço.

Segundo o pesquisador, na prática do desenho de observação, a relação entre mobilidade e olhar está muito ligada ao movimento da mão. E o corpo é geralmente pensado de forma estática. Ele mostra que, da mesma forma que para atravessar uma rua fazemos uma série de cálculos, desenhar exige percepção orgânica do espaço. “Trabalhamos com limites no desenho, mas existem outros fatores que se refletem no traço. É preciso pensar no corpo como uma totalidade, um organismo que dialoga com o espaço”, explica Eugênio Horta.

Ele afirma que o olhar não está circunscrito aos olhos, lembrando, a propósito, que os cegos percebem a obra de arte a partir do toque. "Além disso, quando me movo, penso de forma ampliada, e o desenho é algo que vai além do registro gráfico, tornando-se também uma situação performática", comenta Horta, que propõe em suas aulas performances que contribuem para a proximidade entre os alunos e a troca de ideias. "O trabalho do artista é muito individualizado. O contato físico potencializa o diálogo. E o processo didático nas artes plásticas deve envolver bem mais que palavras, já que elas são forma, ritmo, cor."

Observação dos alunos
A tese de Eugênio Paccelli Horta é produto de sua relação com os alunos e da observação de seu trabalho em aula. Ele conta que explora a forma como alunos, professores e instituições percebem o espaço. E garante que seu método tem dado bons resultados com públicos os mais diversos. “Essa forma de trabalhar considera que a sala de aula é também um meio que propicia a atividade artística, o espaço da aula pode ser transformado em situação poética e em produto plástico”, diz o professor.

Um capítulo do trabalho é composto exclusivamente por imagens. Horta tem registro farto de tudo que tem produzido e pesquisado, e pretendeu mostrar que esses elementos podem ter valor formal. “É possível gerar conhecimento e reflexão a partir de imagens”, defende o autor, que cursou parte de seu doutorado na Universidade de Granada, na Espanha.

Eugênio Horta concluiu a tese com série de exercícios e métodos de ensino que podem ser aplicados, desde o ensino básico, já que permitem “leitura e entendimento universais”. Ele afirma que há pouquíssimo material bibliográfico no Brasil dedicado ao ensino e à prática do desenho, e acha que o ensino de arte nas escolas é muito precário. “Pude constatar na Espanha como os europeus valorizam o conhecimento da arte para sua formação. No Brasil, essa falha se reflete negativamente na relação das pessoas com o espaço em que vivem. Elas destroem com mais facilidade parte de seu patrimônio cultural porque não entendem o valor histórico e cultural de prédios e bairros, por exemplo”, lamenta o pesquisador.

Parte de suas ideias para diminuir essa carência passa pelo ensino do desenho que trate a arte como algo prazeroso e lúdico. “Novas práticas podem mostrar às pessoas que elas são capazes, liberando-as de expectativas estereotipadas sobre o que é arte. Quem aprende a desenhar deve ser estimulado a construir trabalho plástico de acordo com sua realidade, e não com modelos impostos”, completa Eugênio Paccelli Horta.

Tese: Desenho inscrito no corpo
Autor: Eugênio Paccelli Horta
Orientadora: Lucia Gouvêa Pimentel
Defesa: 16 de novembro no programa de pós-graduação em Artes da EBA

(Boletim UFMG, edição 1727)