Como vivem as travestis e transexuais que trabalham com serviços sexuais em Belo Horizonte e região? Qual o tamanho da exclusão a que estão submetidas? Perguntas como essas deverão ser respondidas em estudo inédito na capital mineira que começa a ser desenvolvido pelo Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (Nuh/UFMG), sob coordenação do professor Marco Aurélio Máximo Prado, do Departamento de Psicologia. Dando sequência à experiência desenvolvida por estudantes da graduação em psicologia, o projeto de pesquisa-extensão, iniciado neste ano, será desdobrado em três etapas. “Trata-se de uma pesquisa longa, mas temos um bom ponto de partida que são as informações obtidas ao longo dos oito meses em que estamos em campo com travestis e transexuais”, informa Prado. Na primeira fase, o Nuh se valerá de metodologia quantitativa para promover caracterização socioeconômica das travestis e transexuais. Serão levantados dados referentes a profissionalização e trabalho, acesso delas às instituições públicas, violências sofridas, entre outros. Os pesquisadores também pretendem dimensionar a marginalização imposta a esse público quando se trata de acesso a serviços públicos, como educação, saúde e segurança pública. “Belo Horizonte, Contagem e Betim são lugares de passagem para as travestis. Elas vêm de outras cidades para trabalhar com serviços sexuais. Ficam por um tempo e seguem para outras regiões. Elas estão excluídas do acesso a serviços e instituições públicas. O órgão com o qual têm maior contato é a polícia, por conta da repressão e da violência”, diz Marco Aurélio Prado. Segundo ele, nessa etapa pelo menos 200 travestis e transexuais serão contatadas. A segunda etapa da pesquisa terá caráter qualitativo. Serão coletados depoimentos de algumas entrevistadas sobre a sua trajetória de vida. A intenção é compreender como ocorrem os processos de exclusão, a rotina de uma profissional do sexo e a convivência da travesti com as atividades que são criminalizadas socialmente. Por fim, serão realizados grupos focais com travestis e transexuais de diferentes locais da cidade para debater os problemas identificados ao longo das duas primeiras etapas da pesquisa. Transexual ou travesti? Segundo Marco Aurélio Prado, existem algumas vertentes de explicação, mas nenhuma é considerada a mais correta ou respaldada por consenso. Pela visão do senso comum, por exemplo, travesti é aquele que não fez a operação de mudança de sexo e transexual é a que passou por esse procedimento. Outra distinção reflete um preconceito histórico sobre a figura do travesti. Segundo ele, travestilidade é uma experiência vista sempre como vinculada a atividades sexuais, à prostituição e à criminalização. Já transexuais, destaca Prado, “têm status e uma posição social superior, ainda que, muitas vezes, também estejam envolvidas com a prostituição”. Outra explicação possível é a utilizada pelo próprio sistema de saúde brasileiro que tende à patologização da transexualidade. De acordo com essa corrente, transexual é o indivíduo que se sente mulher, mas aprisionado em um corpo de homem ou vice-versa. Por isso, ele padece de distúrbio de identidade de gênero, necessitando se submeter a uma readequação do corpo. “O(a) transexual precisa ser declarado(a) como patológico(a) para que possa fazer alteração no corpo com segurança e apoio do SUS”, aponta. Essa visão, segundo o coordenador, tem sido muito combatida em vários países, inclusive no Brasil, por grupos de defesa de travestis e transexuais. “É um movimento que busca acabar com o viés da patologização da distinção transexual/travesti, sem que isso implique perda de direitos adquiridos para a alteração do corpo pelo Sistema Único de Saúde”, esclarece Marco Aurélio Prado.
As atividades deste projeto incluem também a manutenção e atualização constante de um site que tornará disponíveis textos acadêmicos, informativos e reflexivos, além de vídeos e outras mídias. Entre os vídeos disponíveis, encontram-se os produzidos pelo próprio Nuh, por meio do Projeto Educação sem Homofobia, que traz o depoimento de travestis e transexuais de BH e de Juiz de Fora. Este site já está disponível para consulta.
Como explica o coordenador da pesquisa, não há consenso quanto à definição de travesti e transexual – entre os estudiosos envolvidos com o tema e até entre as próprias travestis e transexuais. O objetivo do trabalho, explica o professor, também não passa por essa delimitação conceitual. Nas entrevistas será usado o critério da autodeclaração. “Perguntaremos como a pessoa quer ser nomeada, como ela se sente”, diz.