Universidade Federal de Minas Gerais

Reforma do Código de Processo Civil não é a solução de todos os problemas do Judiciário, diz Suzana Santi Cremasco

quarta-feira, 23 de março de 2011, às 8h17

A proposta de novo Código de Processo Civil está prestes a ser votada pela Câmara dos Deputados. O projeto, aprovado pelo Senado Federal em 15 de dezembro de 2010, promete maior agilidade aos processos, dando fim àquele que é considerado um dos problemas da Justiça brasileira, a morosidade.

Elaborado por comissão de onze juristas, nomeada pelo Senado Federal, presidida pelo ministro Luiz Fux, e submetido a audiências públicas, o documento tem recebido críticas de juristas. Uns questionam o tempo recorde em que o texto foi elaborado, outros destacam contradições da proposta, e há ainda aqueles que duvidam da necessidade de um novo código.

O assunto é amplamente abordado nesta entrevista de Suzana Santi Cremasco, professora de Direito e Processo Civil na UFMG, PUC Minas e Una, e integrante da comissão organizadora do I Colóquio Mineiro da Reforma do CPC, que acontece nos nesta quinta e sexta-feira, 24 e 25 de março, na Faculdade de Direito da UFMG.

Qual a finalidade do Código de Processo Civil?
O CPC é uma lei federal que tem por objetivo regular o procedimento que deve ser seguido para a solução de conflitos no âmbito judicial civil, seja relativo a questões de família, contratos, administração pública, tributária, de sucessão, comerciais, entre outras. Praticamente todos os processos, independentemente da matéria, têm ritos que passam pelo CPC.

Por que surgiu a necessidade de reformar o CPC?
Em vigor desde 1973, o Código começou a ser questionado. Primeiro, à luz da nova Constituição, promulgada em 1988, em que o Constituinte trouxe um novo paradigma para o ordenamento jurídico brasileiro como um todo, completamente diferente daquele no qual o CPC foi inicialmente estruturado.

O Código foi editado em um contexto de ditadura, de repressão e controle do Executivo sobre o Judiciário, em que era importante estabelecer peias e amarras à atuação do juiz. Nessa conjuntura, não existia, também, demanda tão grande por parte da população de acesso à Justiça, tanto por força da conotação política quanto por desconhecimento.

A mudança do paradigma constitucional, que tem como um dos pilares a preocupação com o acesso à justiça, aliado ao acesso à informação, foi responsável por criar um número de demandas – notadamente de natureza coletiva – muito maior que o Judiciário e o instrumento regido pelo CPC estavam preparados para suportar.

Outro fator muito importante é o fato de que o nosso Código, em termos de técnica processual, é extremamente técnico e preciso em conceitos, formas, estrutura e ritos. Em alguns momentos esse caráter técnico extremado acaba prejudicando o desenvolvimento dos processos.

As pessoas, então, passaram a responsabilizar o Código pela demora de tramitação no Judiciário, o que não é propriamente uma verdade. É preciso distinguir duas situações: a crise provocada pela deficiência na infra-estrutura do Poder Judiciário – representada pelo número insuficiente de juízes, pela falta de aprimoramento e atualização constante dos seus servidores, falta de papel, de computador, etc. – e a crise do processo, isto é, a crise do instrumento, que precisa passar por uma adequação à nova realidade social.

O grande problema é que se vende a reforma do CPC como a solução para todos os problemas do Judiciário, o que não é verdade. Ela não irá resolver o problema de natureza estrutural, que continuará existindo. Hoje, os processualistas se questionam muito se é necessário um novo Código de Processo Civil para adequar o instrumento à essa nova realidade.

O novo Código foi elaborado em menos de um ano, o que é alvo de críticas também...
Não se faz um CPC da forma como este Projeto foi feito. O Senado Federal vivia uma fase de escândalos, e para desviar as atenções daquele tumulto decidiu-se instituir a comissão de elaboração do novo Código, o que não era esperado por ninguém.

Em setembro de 2009, o presidente do Senado nomeou uma comissão de 11 juristas, presidida pelo ministro Luiz Fux, para elaborar no prazo recorde de 180 dias o novo Código.

A comissão trabalhou durante pouco mais de 180 dias. Foram feitas audiências públicas, com intenção mais de legitimar do que discutir o projeto. Ele foi apresentado, passou pelas comissões do Senado, foi aprovado pelo plenário da Casa no fim de 2010 e foi encaminhado para a Câmara dos Deputados em uma velocidade jamais vista na história da legislação brasileira.

Por que esse prazo teria que ser mais longo?
Acredito que estabelecer pontos fundamentais, discutir esses pontos, redigir e revisá-los demanda um trabalho de dois anos, pelo menos. Além disso, seria necessário o envolvimento e a participação daqueles que são verdadeiramente os maiores especialistas em cada uma das áreas do Código, o que não ocorreu. Embora a comissão seja composta, inequivocamente, por juristas importantes – alguns dos quais que deveriam mesmo estar presentes - grandes nomes ficaram de fora, sem qualquer justificativa ou explicação.

Além disso, a velocidade em que os trabalhos foram desenvolvidos chegou a ser objeto de questionamento pelo desembargador Elpídio Donizetti, um dos membros da comissão que elaborou o novo Código, pois, segundo ele, não houve tempo suficiente para se pensar quais os impactos de determinados itens, que foram colocados e posteriormente aprovados mesmo assim.

Outro problema, e este é quase um consenso entre os processualistas: o novo Código, embora tenha sim pontos positivos em que avançamos, é algumas vezes pior que o Código atual.

Quais a principais alterações que estão sendo propostas pela reforma?
Destacaria quatro alterações fundamentais. A primeira delas, bastante positiva, é a criação do incidente de coletivização para o tratamento dos litígios de massa. Prevê-se um procedimento especial que concentraria os litígios que forem considerados de massa. Funciona da seguinte maneira: em vez de milhares de ações sobre cobrança de expurgos inflacionários dos planos Collor 1, Collor 2, Verão, Bresser, por exemplo, existiria uma demanda a ser apreciada pelo Poder Judiciário com vistas a solucionar todos os casos que possam ser incluídos naquela situação.

A segunda alteração que merece destaque – e que representa um avanço importante, mas precisa de aperfeiçoamento – está relacionada ao prestígio conferido aos métodos de composição alternativa de conflitos – conciliação, mediação, arbitragem e negociação. Pretende-se tratar esses mecanismos como parceiros do processo na solução dos litígios, de forma a desafogar o Judiciário. Mas há uma distorção quando se coloca dentro do Código proposto algo como uma audiência de conciliação obrigatória sob pena de multa! Na essência, conciliação não pode ser obrigatória sob pena de multa porque não se pode impor ao indivíduo fazer um acordo.

A terceira grande alteração é na estrutura de recursos. Embora bastante importantes, os recursos sempre foram demonizados e tidos como os grandes e únicos responsáveis pela demora no desfecho dos processos, o que não corresponde propriamente à realidade. Recursos são instrumentos importantíssimos dentro da estrutura processual. No novo CPC, pensou-se numa reforma profunda nos recursos. Serão extintas algumas modalidades, como os recursos de embargos infringentes e o de agravos retidos. O recurso de agravo de instrumentos passa a ser cabível em hipóteses excepcionais e limitadas. Deixa de existir a preclusão, um importante mecanismo dentro do processo, de forma que todas as questões decididas que a parte pretender discutir, por instância, serão, em regra, objeto de um único recurso. Isso dá uma nova sistemática e uma nova dinâmica à estrutura recursal.

Há também a alteração das tutelas de urgência. O sistema do Código compreende uma parte que disciplina a antecipação de tutela, que são aquelas de natureza satisfativa, em que se concede liminar para a pessoa, entregando a ela o direito mesmo da decisão final e definitiva sobre se ela tem esse direito. E outra que disciplina a tutela de natureza cautelar, que tem finalidade preventiva, que busca garantir a eficácia e o resultado de um outro processo. A tutela antecipada é, atualmente, disciplinada em um artigo dentro do livro de processo de conhecimento, já a tutela cautelar tem um livro específico. A reforma acaba com esse livro específico e a insere juntamente com a disciplina de tutela antecipada dentro do Código sob o título Das tutelas de urgência.

O incremento da utilização de meios eletrônicos nos processos e o aumento da atuação do juiz de 1ª instância também estão previstos pelo novo Código. Como funcionariam essas medidas?
O incremento da utilização de meios eletrônicos é um dos objetos de maior crítica que se pode fazer à reforma. Isso porque não há propriamente a criação de um procedimento que seja adequado ao processo eletrônico, uma realidade que o Judiciário está vivendo nos últimos tempos. O Código limita-se, em suma, a dizer que o processo eletrônico será objeto de legislação especial, já existente e bastante deficiente.

No caso dos poderes do juiz de primeira instância, por sua vez, o que ocorre é a concessão ao magistrado de uma gama de poderes muito maior do que a que ele tem hoje. Dá-se ao juiz poder de adequar ritos, de fazer provas, incluir e desincluir partes. Ele tem uma liberdade de atuação que é muito maior do que a atual. O problema é que não se sabe se nosso Judiciário está preparado para isso. Para que o juiz possa usar com consciência e adequação este poder que está recebendo, ele precisa ter condições para examinar, estudar, pensar aquele caso antes de decidir como agir. Um juiz que tem 15 mil, 20 mil processos a seu cargo, como acontece atualmente, não conseguirá fazer isso.

Também é preciso ter em vista que as restrições existentes hoje têm um lado bom e outro ruim. O ruim é que o juiz se vê muitas vezes em uma situação sem saída. Por exemplo, tem-se previsão de distribuição do ônus da prova dentro do Código, o juiz sabe que a parte não tem condição de produzir a prova, mas ela tem o ônus. Esse juiz muitas vezes afirma que não pode fazer nada, com exceção dos casos de relação de consumo, em que é prevista a possibilidade de inversão do ônus da prova. Isso acaba acarretando decisões injustas em que a parte tem o direito, não consegue provar por absoluta impossibilidade de fazê-lo e acaba tendo uma decisão desfavorável.

Por outro lado, isso é uma garantia porque se sabe exatamente o que o juiz pode fazer dentro do processo. Não há nenhum tipo de surpresa, não se está sujeito ao humor do juiz. Ele tem a sua atuação direcionada.

Qual sua opinião sobre a crítica que tem sido feita por alguns advogados e jornalistas de que a eliminação e limitação de alguns recursos eliminaria o direito a ampla defesa?
Isso não é bem verdade. Esse é, por sinal, um questionamento que eu faço com meus alunos. Será que o direito à ampla defesa é permitir que uma simples briga entre vizinhos chegue ao Supremo Tribunal Federal? Acho que não. A grande preocupação em relação à reforma dos recursos é que se criou uma sistemática, principalmente no que diz respeito às decisões interlocutórias – decisões que são dadas no curso do processo – segundo a qual a parte pode muitas vezes se ver sem o que fazer dentro de uma situação. Por exemplo, estou no curso do processo, faço requerimento da produção de determinada prova. O juiz nega o direito de produzir esta prova. Hoje, esta decisão pode ser recorrida por meio de recurso de agravo. Pela sistemática proposta, esta decisão não poderia ser recorrida durante o processo, só poderia ser questionada ao final. Então, no fim do processo, será alegado cerceamento de defesa, por meio de recurso de apelação, e, se realmente tiver ocorrido essa restrição, o processo será considerado nulo.

Isso pode representar um tiro no pé, pois acabou-se com o recurso dizendo que ele atrasa o desfecho do processo, mas precisei esperar todo o procedimento para apontar que uma etapa teve erro e, por isso, será preciso refazer tudo a partir do ponto em que foi cerceado o direito. Na verdade, a grande crítica que se faz à sistemática recursal é que a existência de previsão de recursos não é responsável pelo afogamento do Poder Judiciário. O problema é a utilização indevida dos recursos disponíveis dentro do processo.

Qual a finalidade do colóquio?
Queremos trazer a discussão de várias questões relacionadas ao novo Código para dentro da academia. Também servirá para reunir diversas análises que têm sido feitas esparsamente nas universidades. Existiam manifestações isoladas e nós decidimos agrupar todo mundo em um evento. E o objetivo maior é, a partir do momento que forem desencadeados encontros estaduais e regionais como esse, promover um evento nacional que vai produzir documento com as questões levantadas para que estas sejam levadas à Câmara dos Deputados. Isso é importante pelo menos para que se explicite que os processualistas e a academia têm algo a dizer sobre o Código.

O que a gente não quer é deixar a universidade silente em relação ao que tem sido feito. Não podemos deixar que continue se vendendo midiaticamente que o novo Código é a solução para todos os problemas do Judiciário. Por exemplo, o ministro Luiz Fux diz em rede nacional que a reforma irá reduzir em 70% o tempo de tramitação dos processos. A pergunta que se faz diante disso é: qual o embasamento científico dessa afirmação? Essa redução não depende apenas de um novo CPC. Depende sim da boa formação do estudante de Direito, da existência de exames de ordem e concursos rigorosos, do aparelhamento adequado do Judiciário, da atualização e do aperfeiçoamento constante de juízes e servidores, do estabelecimento de metas, da coibição de práticas protelatórias, da criação de uma cultura de conciliação, algo que legislação nenhuma é capaz de pura e simplesmente impor.

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