As imagens hoje têm sua dimensão performativa ressaltada, e a lógica do reality show se generalizou, segundo os professores André Brasil e César Guimarães, do Departamento de Comunicação Social da Fafich. Eles são os organizadores do seminário Cinema, Estética e Política, que se realiza esta semana nos auditórios da Face (leia mais). Nesta entrevista, eles abordam, em respostas conjuntas, questões como as fronteiras entre documentário e ficção, o interesse em produções audiovisuais como a indígena e as relações entre política e estética. “Más ficcções tornam o mundo pior”, afirmam André Brasil e César Guimarães. Como se pode especular sobre o que é político na arte contemporânea? O político enfraquece o estético? De forma alguma. Digamos que um dos pressupostos desse evento é o de que a política possui uma gênese estética. E o de que, portanto, configurações e reconfigurações sensíveis (nossas arquiteturas, nossas imagens, nossas metáforas, nossas ficções) possuem uma dimensão política, sem que, para isso, precisem recorrer às palavras de ordem. Dito simplesmente, más ficções tornam o mundo pior. Como entram o jogo e a performance nas relações entre cinema, política e estética? Como tentaremos desenvolver no seminário, as imagens hoje possuem sua dimensão performativa ressaltada. Ou seja, elas são um domínio não apenas de representação, mas de performance e constituição de formas de vida. Nesse sentido, jogo e performance estão no centro da produção contemporânea, seja na mídia (veja-se o exemplo dos reality shows), nas artes visuais ou no cinema. Em algumas experiências, o jogo se submete a uma espécie de gestão, por meio da qual as performances são reguladas, controladas. Aqui, diríamos que a lógica do reality show se generalizou. Em outras experiências, contudo, a performance mantém seu sentido crítico, político, aparecendo como abertura. E com a relação aos sujeitos? Segundo Paula Sibilia (professora da Universidade Federal Fluminense e uma das expositoras do seminário desta semana), os personagens não precisam "ser fieis àquilo que são”, mas “inventar aquilo que estão sendo". Paula Sibilia tem ressaltado o caráter "epidérmico" da subjetividade contemporânea, ou seja, ela se constitui enquanto se publiciza, se exterioriza. A subjetividade hoje se produz, portanto, sobre o deslimite entre os domínios do público e do privado. Trata-se, para a autora, de uma mudança em relação à subjetividade moderna, introdirigida, que se produzia, em alguma medida, ancorada na relativa estabilidade entre o público e o privado. Qual a ideia central em torno das discussões sobre o cinema produzido por indígenas? Que outra concepção de imagem eles apresentam? Resolvemos propor para o Seminário uma aproximação a Antropologia, para discutir ontologias, cosmologias, que concebem a imagem de uma maneira totalmente outra. Isso aparece, por exemplo, na produção de cinema por diretores e grupos indígenas. Queremos muito ouvir o que os convidados têm a dizer sobre isso, algo que pode nos ajudar a pensar, em novos moldes, o cinema contemporâneo. Em que estágio estão os debates em torno das fronteiras entre documentário e ficção? Desde a década de 60, várias teorias – de viés estruturalista e pós-estruturalista – autorizaram a crítica à distinção entre documentário e ficção. Como discurso, como representação, se diz, o documentário possui, necessariamente, uma dimensão ficcional. Esse discurso se generalizou e se banalizou um pouco, desconsiderando, muitas das vezes, a especificidade dos filmes. Sem desconsiderar os avanços já feitos, estamos repropondo esse debate, tentando mapear as distinções e atravessamentos entre ficção e documentário, a partir dos traços formais dos filmes, mas também a partir de suas estratégias de produção, da prática que instauram, das relações entre quem filma e quem é filmado e das formas de convocação e engajamento dos espectadores. Ou seja, estamos em busca de uma pragmática que permita repensar essas categorias, em outros termos, tendo bastante atenção aos filmes. Um dos assuntos principais do evento é a relação entre os arquivos e o cinema. Por quê? A utilização de arquivos de imagens de outras mídias e de outros filmes não é, sabemos, uma estratégia nova. Hoje, trata-se de uma prática central na obra de alguns diretores e artistas. Há aí também uma política: um arquivo nos permite rever o que restou, mas, em sua precariedade, esse resto possibilita, ou seja, se endereça ao futuro, pede para ser montado e remontado.