Por muito tempo restrita a igrejas e prédios históricos, atualmente a noção de patrimônio inclui fatores mais amplos, como a compreensão da inserção das pessoas nesses espaços, suas representações sociais e as construções de significados que envolvem a atividade profissional. O tema está presente na obra História da saúde em Minas Gerais: instituições e patrimônio arquitetônico (1808-1958), fruto de pesquisa realizada pelas professoras da UFMG Rita de Cássia Marques, Anny Jackeline Torres Silveira e Betânia Gonçalves Figueiredo. Segundo Rita de Cássia Marques, caso fossem analisados apenas a partir da noção de patrimônio arquitetônico, muitos hospitais estariam excluídos desse conceito, já que raros preservam sua estrutura original. “É comum a construção de ‘puxadinhos’ e mesmo de novos edifícios, pois a ênfase, em geral, não é a preservação do prédio, mas a prestação do serviço”, explica a professora, que integra, com as outras autoras, o grupo de Teoria e História da Ciência (Scientia), que funciona na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich). A especificidade desse patrimônio pôde ser observada na pesquisa das três professoras, que estudaram hospitais, centros de pesquisa e instituições de ensino da área de saúde em Mariana, Ouro Preto e Belo Horizonte. Em Mariana, por exemplo, o Hospital da Mina da Passagem, que já não existe mais, continua a ser citado pela população como um bem coletivo. “As pessoas se referem a ele e até guardam fotografias do prédio. Isso demonstra a noção de patrimônio que a comunidade atribui àquela instituição”, comenta a professora. A pesquisa também revelou que mesmo em uma cidade relativamente nova como Belo Horizonte, a arquitetura dos hospitais segue dois estilos básicos, refletindo um padrão histórico mundial: as obras em formatos de pavilhões, típicas do século 19, com várias construções integradas, a exemplo do Instituto Raul Soares; e as da fase seguinte, em formato de monoblocos, como se pode observar na Santa Casa e no Hospital Felício Rocho. Segundo a pesquisadora, assim como a arquitetura pavilhonar refletia a noção de isolamento para evitar contágios, a fase seguinte incorpora avanços tecnológicos, como o uso de elevadores e de novos métodos de construção. A pesquisa contou com a participação de historiadores e da arquiteta Cláudia Marun Mascarenhas Martins. Livro O lançamento da obra acontece nesta quarta-feira, 31, às 19h, na Livraria Saraiva do Shopping Diamond Mall. Por meio de textos analíticos, apresenta cartografia das instituições que, por diferentes maneiras e em distintos períodos, estiveram vinculadas à saúde. Nas três cidades, foram pesquisadas 60 instituições, entre escolas, institutos de pesquisa, hospitais e órgãos da burocracia. O CD com verbetes e imagens que acompanha o livro inclui informações históricas e arquitetônicas sobre as instituições descritas no projeto Rede Brasil: Inventário Nacional do Patrimônio Cultural da Saúde em Minas Gerais.
Segundo a professora Rita de Cássia Marques, que coordena o Centro de Memória da Escola de Enfermagem da UFMG, um marco desse movimento aconteceu no Chile, quando ao reagir à derrubada de um hospital a população sensibilizou o governo, o que levou à inclusão da preservação da história do patrimônio cultural e sua relevância na pauta das políticas de saúde. Prevaleceu o argumento de que o prédio tornara-se patrimônio local pelos serviços que oferecia.
Financiado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o livro que resultou da pesquisa é parte da coleção História e Patrimônio da Saúde, que integra o projeto Rede Brasil do Patrimônio Cultural da Saúde.