Acervo do projeto Paisagens em branco |
A partir de janeiro de 2013, os sítios e as peças arqueológicas escavados por pesquisadores da UFMG na Antártica devem ganhar visibilidade na web, praticamente em tempo real. Smartphones e tablets vão substituir registros em papel utilizados hoje para identificar objetos dos primeiros viajantes à região, como os caçadores de mamíferos marinhos nos séculos 18 e 19. Com a tecnologia, os pesquisadores poderão agregar os convencionais dados de texto a outros de natureza multimídia, como áudio, fotografia e vídeo, à localização geográfica dos artefatos, gerando mapas completos e acessíveis com poucos cliques. “Creio que, para a produção de informação científica em arqueologia e antropologia, mesmo fora da Antártica, é inovador o uso dos recursos de plataforma móvel, multimídia e georreferenciada, com banco de dados aberto e interface geográfica de saída”, diz o antropólogo Rogério do Pateo, sobre as características elaboradas para o sistema, que terá como referência o conceito de Geo Web do Google. Nele, os dados geográficos inseridos digitalmente são tratados a partir de aplicações desenvolvidas para a internet. Isso permite ao usuário extrair informações especializadas, sem precisar ser um expert em geoprocessamento ou computação, por exemplo. Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da Fafich, Pateo aguarda análise do CNPq para o projeto, que vai tornar a tecnologia multimídia base dos trabalhos para a área na Antártica. O resultado será divulgado em dezembro. A partir da aprovação, os softwares começarão a ser desenvolvidos. “Em 2013, deveremos testar o produto pela primeira vez na Antártica”, prevê. No continente, as informações serão registradas nos equipamentos, enquanto a “subida” dos dados para a web ocorrerá no navio que transporta os pesquisadores. Atualmente, os recursos para conexão com satélite estão disponíveis apenas nas embarcações. Mesmo com essa limitação, Pateo acredita que o sistema permitirá diversos avanços, além do compartilhamento on-line de informações geolocalizadas entre a comunidade acadêmica. “Devemos produzir uma versão para divulgação científica ao grande público, em que o site será um mapa e o usuário fará sua navegação pelos espaços da Antártica”, antecipa. Ele aposta também que, além de imprimir mais agilidade à coleta e sistematização das informações, o novo processo deverá introduzir diferenças qualitativas na realização da própria pesquisa científica, com reflexos nas interpretações de resultados. “No trabalho de campo, há várias equipes escavando em locais distantes uns dos outros, e a visualização dos dados coletados por todos pode propiciar insights nas análises e descoberta de novos sítios para prospecção”, reflete o professor. História silenciada Em janeiro de 2012, sua equipe parte para nova expedição à Antártica. A viagem deverá encerrar a primeira etapa brasileira de investigações sobre sítios arqueológicos e coleta de objetos deixados pelos primeiros ocupantes do continente. Após duas viagens, o grupo da UFMG conseguiu reunir coleção histórica considerada única no país e formada pelo que Zarankin chama de “lixo” deixado pelos antigos viajantes: grés, sapatos, metal, tecido, vidro, cachimbos e cerâmica. Os objetos foram escavados nos sítios arqueológicos Sealer 3 e Sealer 4, localizados na península Byers (veja em www.fafich.br/leach). Como explica o pesquisador, caçadores de pele de focas e gordura de elefantes marinhos, usada como azeite para iluminação e na indústria farmacêutica, moravam na região durante três ou quatro meses procurando os animais. Depois um barco os levava de volta. “Na história oficial, essa parte foi silenciada e tornada invisível. O material que buscamos é a única informação que existe sobre essas pessoas”, diz Zarankin. Conforme relata, antropólogos chilenos argumentam que aborígenes da América do Sul também integravam os grupos de caçadores contratados por companhias diversas, junto a grupos da Austrália, Inglaterra e Estados Unidos. “Os chilenos identificaram crânio de uma mulher indígena e há uma série de materiais confeccionados com técnicas indígenas localizados na Antártica”, informa Zarankin. Os objetos coletados pelo grupo da UFMG que dão materialidade a parte dessa história se encontram em tratamento no Centro de Conservação da Escola de Belas-Artes e outros, já estabilizados, estão em geladeira especial no Laboratório de Arqueologia da Fafich. Mas o programa liderado por Zarankin prevê a construção de espaço próprio para a coleção na UFMG. Orçado em cerca de R$ 400 mil, o local já possui planta elaborada pelo Departamento de Projetos da Pró-reitoria de Planejamento. Segundo o professor da Escola de Arquitetura André Penido, responsável técnico pelo projeto, o espaço vai integrar área de 500 metros quadrados, resultante da construção de dois pavimentos sobre o Laboratório de Arqueologia da Fafich. O complexo vai abrigar dois novos laboratórios, sala de reuniões, câmara técnica e depósito. De acordo com Zarankin, um dos pavimentos poderá sediar as atividades do curso de Antropologia da UFMG, criado em 2009. “O projeto estará aberto também a pesquisadores de outras áreas, como história, ciências políticas e relações internacionais”, antecipa. Leia também entrevista com Andrés Zarankin: O estilo brasileiro de colonizar. [Boletim UFMG, edição 1749 - Siga @UFMG_Boletim]
A pesquisa de campo em arqueologia e antropologia na Antártica é feita pela UFMG desde 2009, dentro do Programa Antártico Brasileiro, do Ministério de Ciência e Tecnologia. A estruturação da linha na Universidade coube ao antropólogo e professor Andrés Zarankin, atual coordenador do grupo.