Universidade Federal de Minas Gerais

Uso pioneiro de substância produzida pelo próprio organismo controla arritmias pós-transplantes

segunda-feira, 24 de outubro de 2011, às 12h11

Experimentos realizados nos últimos cinco anos na UFMG indicam que a angiotensina 1-7, peptídeo produzido pelo próprio corpo, quando adicionada a antioxidantes específicos, é capaz de eliminar, em índices próximos a 100%, a ocorrência de arritmias em corações transplantados, melhorando a sobrevida do órgão. As experiências foram feitas em ratos e novos protocolos estão sendo produzidos para testes em porcos e em humanos. Devido à consistência de resultados obtidos na fase inicial, os pesquisadores decidiram registrar pedido de patente nacional.

Os estudos envolvem parceria internacional da UFMG com a Universidade de Graz e a C.Y.L. Pharmazeutika GmbH, localizadas na cidade de Graz, na Áustria. A empresa é responsável pelo fornecimento da solução Karal®, potente composto de substâncias antioxidantes. Administrado aos transplantados durante os procedimentos cirúrgicos, é capaz de aumentar o fluxo sanguíneo no coração, além de controlar a morte celular de órgãos enxertados.

A adição da angiotensina ao composto, feita pioneiramente pela UFMG em transplantes cardíacos em ratos, conseguiu elevar em até 30% essas atividades de proteção na fase crítica em que o coração volta a ser perfundido, isto é, quando recebe oxigênio e outros nutrientes, com o retorno do fluxo sanguíneo.

“É neste momento que as arritmias podem ocorrer, pois o coração volta a bater de modo desorganizado”, diz o professor Robson Augusto Souza Santos, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e coordenador da pesquisa. Santos foi responsável pela identificação da angiotensina (1-7), na década de 1980. Presente na circulação, rins e em tecidos cardiovasculares, esse peptídeo possui importante papel na vasodilatação e pressão arterial humanas, pois modula a frequência cardíaca.

Devido a essas funções, a substância consegue agregar proteção adicional contra arritmias ao coração transplantado. Como explica o pesquisador, o órgão pulsa 70 vezes por minuto em ritmo regular. “Primeiro bate o átrio, onde fica o nosso marca--passo natural, o nó sinusal, e depois o ventrículo. Quando se perde essa regularidade, que chamamos arritmia, o ventrículo pode bater estimulado também por outros locais do coração, que sofreram lesões celulares e passaram a funcionar como marca-passos adicionais”, ensina.

Segundo Santos, esse processo faz com que o coração mantenha um ritmo irregular, com frequência mais alta, desencadeando dificuldades à sobrevida do órgão. Já as lesões ocorridas nos tecidos cardíacos podem ter como causas o tempo em que o órgão fica paralisado antes do transplante e a presença de níveis elevados de oxigênio no momento em que é reperfundido. Como se sabe, o oxigênio participa da formação de radicais livres nos tecidos. O Karal e a angiotensina entram no processo protegendo o coração, pois impedem a síntese dos radicais, causadores da oxidação ou morte celular.

Preservação
Conforme procedimento adotado no Brasil, ao ser retirado do corpo do doador o coração é paralisado. Nesse estado de cardioplegia e isquemia, em que fica sem irrigação, o órgão pode ser mantido gelado em soluções especiais por até quatro horas, antes de ser transplantado.

“O tempo de preservação prolongada do órgão doado resulta em um aumento de incidência da deterioração da função do enxerto, com consequências que incluem aumento do tempo de internação, da taxa de rejeição aguda, baixa qualidade de vida e altos custos com a saúde”, destaca Mariana Lamacié, em dissertação defendida na UFMG, em 2008. Coube a ela, sob a orientação de Robson Santos e colaboração do Landeskrankenhaus, de Graz, o mérito de ter estudado pioneiramente o efeito do Karal e do peptídeo, isolados e juntos, em enxertos cardíacos em ratos, para a pesquisa que deu origem à patente.

Segundo Santos, os resultados do uso da mistura, indicando aumento do fluxo coronariano e da cardioproteção em ratos, durante arritmias de perfusão, podem ser classificados como animadores. Ele pondera, no entanto, que é necessário ampliar as evidências pré-clínicas antes de passar para a fase clínica, com humanos. “Além dessa etapa, planejamos verificar se o uso da mistura também melhora a reperfusão para o fígado e outros órgãos”, antecipa o professor.

Doenças cardiovasculares são as que mais matam
Segundo dados do Ministério da Saúde, o coração foi o único órgão que em 2010 não experimentou aumento de doações. Em 2009, o número chegou a 100 transplantes no primeiro semestre, mas no ano seguinte, no mesmo período, caiu para 99. Quase a totalidade dos procedimentos é realizada pelo SUS. O transplante é um dos tratamentos indicados para doenças cardiovasculares (DCV) crônicas e graves.

Como consta na dissertação de Mariana Lamaciê, as DCV são a principal causa de morte no mundo, tendo vitimado, em 2005, 17,5 milhões de pessoas. “Em 2015, aproximadamente 20 milhões vão morrer devido a alguma doença do coração”, informa. No Brasil, o panorama não difere, e a doença coronariana é o mais importante fator de mortalidade em todas as regiões.
(Fonte: Boletim UFMG)

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