“Nasci mulher e cresci menino em mundo trocado, mas hoje vejo que o que está errado é o mundo exterior, que não aceita as diferentes identidades de gênero.” A declaração foi feita na noite deste domingo pelo primeiro trans-homem do Brasil, o escritor João W. Nery, na palestra de abertura do 7º Encontro de Travestis e Transexuais da Região Sudeste, que acontece até esta quarta, dia 9, no campus Pampulha. João questionou o que é ser transexual, falou sobre os movimentos de luta pelos direitos da comunidade, e discutiu problemas como preconceito, falta de reconhecimento jurídico e patologização da transexualidade. João fez a cirurgia para mudança de sexo em 1977, em pleno regime militar – 20 anos antes da legalização do procedimento no Brasil. Apesar disso, ele não se considera do sexo masculino. “O que é ser homem ou mulher? Será que quero ser aquele homem babaca, machista, incapaz de chorar ou de falar sobre suas emoções?”, questionou. “Isso eu não quero ser. Sou um trans porque quero transcender o gênero e me expressar da melhor forma que puder.” Construção social O palestrante salientou, ainda, que a população de travestis e transexuais é numerosa, e que esses indivíduos devem ter o direito de trocar o nome e o gênero em seus documentos pessoais, antes mesmo de fazerem a cirurgia para mudança de sexo. Após a palestra, o público participou do lançamento do livro Viagem solitária: memórias de um transexual 30 anos depois, no qual Nery conta sua história de vida. O 7º Encontro de Travestis e Transexuais da Região Sudeste é organizado pelo Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da UFMG (NUH/UFMG) em conjunto com o Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade de Colatina (Gold-Colatina/ES) e o Núcleo Trans do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual (Cellos-Trans). Confira a programação do evento.
Para o escritor, é preciso desmitificar a heterossexualidade, pois não se questionam os héteros, mas a condição deles é resultado de um processo de aprendizagem para se conformarem aos padrões sociais vigentes. “Nós também sofremos essas imposições, mas nos recusamos a aceitar esse modelo”, ressaltou, lembrando que a sociedade é tão machista que, quando se quer ofender um gay com trejeitos femininos, é comum o uso da expressão “mulherzinha”.
João W. Nery (ao centro) fala ao lado da presidente do Cellos, Anyky Lima, e do coordenador geral do NUH/UFMG, Marco Aurélio Máximo Prado