Universidade Federal de Minas Gerais

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‘Contrapor ciência e religião é uma falácia’, analisa professor Miguel Mahfoud

quinta-feira, 17 de maio de 2012, às 14h16

Seis seguidores de diferentes religiões se reunirão no próximo sábado, dia 19, das 9h às 13h, para discutir sobre a busca da transcendência a partir de distintas perspectivas. O Diálogo Inter-religioso, que acontecerá no auditório Sônia Viegas, da Fafich, é organizado pelo Laboratório de Análise de Processos em Subjetividade. Em entrevista ao Portal UFMG, o professor Miguel Mahfoud, coordenador do Laboratório, analisa a relação entre ciência e religião no mundo contemporâneo. Para ele, o modo de pensamento racionalista que herdamos do Iluminismo, segundo o qual podemos tomar os objetos por eles mesmos, está em crise. “Todos já reconheceram que é necessária uma visão mais sistêmica, pois o objeto por ele mesmo é uma falácia, já que só é possível encontrar sentido a partir das relações que se estabelecem”, enfatiza. Nesse contexto, a polarização histórica entre ciência e religião, segundo ele, vem cedendo lugar a uma postura de diálogo entre essas duas instâncias, de modo que os diferentes credos religiosos possam contribuir para a evolução do conhecimento científico.

A academia é lugar de produção de conhecimento científico, que preza pela objetividade. Se credos religiosos condicionam visões de mundo, atuando no âmbito do dogma, e não da razão, como conciliar religião e pesquisa acadêmica?
Temos um chão compartilhado de mundo, que é cultural. Nesse chão, no qual fixamo-nos para elaborar qualquer tipo de conhecimento, habitam tanto a ciência quanto a religião. A ciência não paira em um outro patamar, pois, nesse caso, seria uma nova metafísica. Ela brota dos interesses e problemas da vida, tentando responder uma série de questões práticas e de horizonte. Nesse sentido, há um chão comum entre o tipo de preocupação científica e o tipo de preocupação religiosa. A perspectiva religiosa não é caracterizada pela não objetividade, mas por um horizonte de significado totalizante. Já a ciência, necessariamente, se orienta em horizontes regionais, circunscritos, partindo de objetos específicos. A primeira questão da pesquisa é definir bem o objeto, o recorte de um problema – e a visão de mundo é necessária para fazer recortes. A religião é um certo tipo de visão de mundo, menos preocupado, primeiramente, com o recorte do que com o horizonte de totalidade. Qual o significado das questões, para onde vai aquilo que estamos fazendo, e que consequências éticas implica? São questões que não estão fora do mundo objetivo, mas se voltam para outro horizonte. Por exemplo, que problematizações éticas surgem em relação à ciência? É necessário um horizonte cultural mais amplo para que se possa fazer a discussão ética. A polarização entre ciência e religião está colocada em xeque. O cenário contemporâneo aponta para o diálogo entre âmbitos distintos, necessário à própria ciência.

A ciência é uma ferramenta que precisa de outros elementos para promover a evolução do conhecimento...
Com certeza. E essa ferramenta deve ser colocada em um mundo que não é só científico, mas cultural, em sentido amplo. Essa inserção é importante não apenas para a formação do conhecimento, mas, também, para a formação do próprio corpo social. Há, no mundo científico, diversas posições culturais, dentro das quais coexistem distintos posicionamentos religiosos, presentes não só como mentalidade, mas dentro do corpo social da própria universidade.

Que papel a religião deve ter em uma instituição laica de ensino superior, como a UFMG?
O primeiro elemento a ser considerado é que ela está presente como mentalidade de cultura, em termos de corpo, com grandes formas de problematização do mundo, que interferem nos recortes que nos permitem definir objetos científicos. Se a cultura está presente na universidade, a dimensão religiosa está contida na cultura. Fechar os olhos para essa dimensão seria uma bobagem, pois a ciência se faz, também, por meio de questões de tematização ética. Hoje, não há quem considere que a questão ética não interessa para a ciência. Além disso, a função da universidade laica não é negar o elemento religioso, mas garantir a expressão do corpo social – que, no nosso caso, é multirreligioso. Precisamos garantir que a composição da nossa sociedade esteja presente na universidade. Aliás, é esse o motivo da discussão sobre cotas para minorias: os diferentes segmentos sociais devem ser contemplados na universidade. Dessa forma, distintas concepções de mundo integram o debate sobre a construção científica – e não há motivos para que essa diversidade não contemple a dimensão religiosa. Aliás, grandes cientistas foram religiosos. Einstein tematizou isso, e Carlos Chagas, o cientista brasileiro que mais perto chegou do prêmio Nobel, não só era católico, como integrava a comissão de cientistas do Vaticano. Ou seja, a contraposição entre ciência e religião é uma falácia.

Há várias questões originadas na ciência cuja discussão ética passa pela religião de maneira muito marcada, como, por exemplo, as biotecnologias...
Sim, há problemas que certas religiões vão colocar, e são questões para serem respondidas por todos. Como as pessoas estão em posições culturais diversas, há debates sobre a pertinência ou não de certas preocupações. Mas há discussões que se referem à ética que não se relacionam, necessariamente, a produções religiosas. Por exemplo, o regime nazista promoveu uma série de pesquisas científicas das quais se questiona a validade, do ponto de vista ético. É um problema ligado ao questionamento político a respeito do que é lícito para a produção de conhecimento. Os valores relacionados à legitimidade do conhecimento são de cunho cultural, e sofrem interferências da política, da filosofia, do pragmatismo, da religião. Logo, considerar que a religião não tem nada a dizer seria um retrocesso a uma separação de âmbitos que não se justifica. Por outro lado, dizer, simplesmente, que a religião tem que controlar a ciência seria uma ingenuidade. Não se trata de controle, mas de diálogo entre uma diversidade de perspectivas – e isso faz parte da ciência.

Se a identidade é algo que se constrói por oposição ao outro, em uma relação do tipo “sou isso porque não sou aquilo”, como definir “identidade religiosa” em um país tão miscigenado como o Brasil, em que diferentes credos se permeiam?
A identidade do Brasil é justamente o sincretismo. Em geral, evitamos tocar na questão da identidade, como se falar sobre o assunto provocasse problemas de conflito. É o modelo francês – não por acaso, herança do Iluminismo. Se você se apresentar com sua identidade, estará criando um problema para o outro. Em última instância, o indivíduo deve se expressar o mínimo possível para que possa ter uma convivência harmoniosa com os demais – e essa impossibilidade de expressão resulta em violência. No mundo acadêmico também vemos expressões de violência que não têm sentido, frutos do mesmo tipo de posição: você não pode se expressar porque isso atrapalharia o outro, ou seja, deve-se chegar a níveis mínimos de convivência de identidades, o que é um achatamento da vida social. Mas há tentativas de construção de um outro modelo, em que se possa assumir a própria identidade, problematizando a relação com a alteridade, isto é, a conjugação desses dois elementos. Nossa tendência é pensar que, quando afirmamos nossa identidade, criamos um fechamento, porém existem experiências que apontam em outra direção. De fato, para ter a minha identidade, preciso me diferenciar em relação ao outro; ninguém tem identidade sozinho. Se não houver o diferente, o indivíduo não tem clareza em relação à própria identidade. Logo, o outro faz parte do clareamento de nossa própria identidade – o que abre a possibilidade de diálogo, já que essa relação não precisa, necessariamente, ser de antagonismo.

Como essa interação tem sido trabalhada na academia?
O grupo que participará do Diálogo Inter-religioso tem vivido esse tipo de experiência, no âmbito dos estudos no Laboratório de Análise de Processos em Subjetividade. A partir de atividades acadêmicas, encontra-se a possibilidade de expressão da própria identidade religiosa, e cada um contribui de modo particular. Assim, há construção de um horizonte acadêmico de diversidade no qual há espaço para o diálogo, e essa diversidade interessa, inclusive, para a própria perspectiva individual. A abertura se dá em meio à expressão de identidades claras, o que propicia a superação de violências. Esse modelo mais interativo permite um amadurecimento de posições, na medida em que o convívio com o diferente suscita o questionamento da perspectiva individual.

Desde o Iluminismo, temos vivido uma era de supremacia da razão sobre a espiritualidade. No entanto, essa hegemonia científica não estaria perdendo força para outras formas de interpretação do mundo?
A razão, atualmente, não é entendida como a defesa de certos métodos ou parâmetros, mas como nossa capacidade de abertura, sem a qual a ciência não pode se dar. Essa abertura considera, inclusive, outras formas de conhecimento, nos moldes do que tem feito a física quântica. Há interesse em amadurecer formas de pensamento mais complexas, menos vinculadas a relações lineares de causa e efeito, e mais relacionadas a processos em que sejam consideradas distintas dimensões culturais. O Massachusetts Institute of Technology (MIT), por exemplo, realizou recentemente um evento com Dalai Lama e outros budistas, sobre o pensamento complexo. Já o líder budista Daisaku Ikeda recebeu mais de 300 títulos honoris causa de universidades de todo o mundo, o que mostra que a relação entre diferentes dimensões está sendo mais tematizada e aceita como necessária para o desenvolvimento científico. Alguns credos também têm proposto esse diálogo, que se faz necessário porque a religião não é apenas um modo de pensamento sobre outro mundo, mas uma forma de compreensão do real.

O Diálogo Inter-religioso propõe a interação entre representantes de diversos credos, e a produção em sintonia entre eles. Mas, se a crença está no campo do dogma, como promover essa produção? Um cristão e um budista, por exemplo, têm visões bastante diferentes de mundo...
Em certa medida, sim. Em termos de formulações, podemos encontrar elementos conciliáveis. Em relação às buscas, por exemplo, a transcendência é um tema que interessa a todos. Embora cada um encontre respostas diferentes, temos um tema em comum. E temos visto na divulgação do evento que pessoas que não têm nenhuma expressão religiosa definida também estão interessadas no tema da busca pela transcendência.

O tema pode ser comparado a um problema científico abordado a partir do ponto de vista de disciplinas distintas. Por exemplo, as diferenças entre homem e mulher, para a genética, estão determinada pelo DNA. Já para as ciências sociais, são uma construção...
Não se pode, simplesmente, acoplar um conhecimento a outro, de maneira ingênua. Mas podemos discutir qual o nosso interesse em definir o que é “homem” e “mulher”, e por que estamos interessados nisso, para compreendermos em que a genética e as ciências sociais têm a contribuir para a questão. Dessa forma contemplamos, simultaneamente, as diferenças de concepção e a construção de um conhecimento complexo. Eles podem dialogar, embora em sentidos diferentes.

Nesse sentido, a busca da transcendência pode ser encarada como um objeto em comum, com várias explicações distintas...
Exato. Podemos descobrir sintonias, diferenças e pontos inconciliáveis, mas também podemos descobrir contribuições de diferentes tematizações. Uma outra tradição religiosa pode levantar aspectos nos quais a minha tradição não está interessada, mas, se eu estiver interessado não em defender a minha tradição, mas na busca em si, há lugar para o diferente. Se estou interessado apenas em defender minha bandeira, não existe conversa. Por isso é preciso ter disposição para a abertura, sem a qual não é viável fazer um diálogo nem inter-religioso nem interdisciplinar.

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