Acervo de Tatiana Delfanti Melo |
Remanescente de uma favela muito maior, a Pindura Saia, a Vila Santa Isabel, na avenida Afonso Pena, bairro Cruzeiro, em Belo Horizonte, é marcada por relações pacíficas e interdependentes entre os diversos grupos sociais. Seus moradores, diferentemente dos de outras comunidades do gênero, não se sentem discriminados: estudam e trabalham nas proximidades, frequentam clubes e restaurantes do bairro. Essas são algumas revelações de pesquisa que culminou em dissertação de mestrado defendida este ano no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, da Escola de Arquitetura da UFMG. “A presença da vila na avenida Afonso Pena mostra-se positiva sob diversos aspectos. É um exemplo oposto ao do zoneamento excludente que impera em nossas cidades”, afirma a autora do trabalho, Tatiana Soledade Delfanti Melo. Interessada inicialmente em descobrir como instrumentos urbanísticos de regularização fundiária, mais especificamente a legalização da terra, poderiam ter assegurado a permanência de uma favela em local tão visível, integrado e valorizado na capital, a pesquisa constatou que os moradores da Vila Santa Isabel, a maioria deles descendentes dos primeiros ocupantes, não possuem títulos, apenas posse. “Passei então a tentar entender a permanência da Vila também pela perspectiva das vivências cotidianas e das relações sociais entre moradores da comunidade e da região do entorno”, conta Tatiana Melo. De acordo com ela, os habitantes dos 48 domicílios da Vila, que ocupa área de quatro mil metros quadrados de propriedade do município, desfrutam de preferência nas vagas de emprego da região, o que indica a confiança dos empregadores e gera economia nos transportes – situação radicalmente oposta à dos moradores de comunidades carentes mais distantes. Tatiana descobriu ainda mercados aquecidos de aluguel de quitinetes para estudantes da Universidade Fumec e de fornecimento de refeições tipo marmitex, que incrementam a economia comunitária. Entrevistas Tatiana Melo entrevistou 75% dos moradores da Vila Santa Isabel entre fevereiro e dezembro de 2011, e habitantes das vilas próximas e de bairros adjacentes. O objetivo dessa etapa foi conhecer o perfil dos habitantes quanto a renda, escolaridade e ocupação, laços de vizinhança e dinâmica imobiliária, além das relações sociais. Na visão da professora Jupira Mendonça, da Escola de Arquitetura e orientadora da dissertação, o trabalho mostra a importância da diversidade social no espaço urbano e contribui para a reflexão sobre as políticas públicas, sobretudo aquelas vinculadas ao uso do solo e à habitação. “Os moradores da Vila Santa Isabel estão segregados em um pedaço da cidade onde não têm a propriedade da terra e onde as moradias são mais precárias, mas a interação entre eles e os moradores e atividades dos bairros adjacentes é boa para todos, embora haja aqueles que rejeitem a imagem visual da vila na paisagem da região”, afirma Jupira. A pesquisa ressalta também, ela acrescenta, que “essa interação e pluralidade garantem oportunidades de educação e trabalho a uma população historicamente espoliada dos benefícios da cidade”. Tatiana Melo revela que, apesar de suas características positivas, a Vila Santa Isabel corre o risco de desaparecer, sob pressão do mercado imobiliário, que aumentou com a proximidade da Copa do Mundo de 2014. Ela considera que um dos desdobramentos mais relevantes da pesquisa foi despertar em grande parte dos moradores a consciência do direito constitucional à moradia. “Eles querem permanecer e já se organizaram para pleitear à Defensoria Pública do Estado a Concessão Especial para Fins de Moradia, instrumento de regularização fundiária em terreno público”, conta Tatiana Delfanti Melo, que teve sua dissertação indicada pela banca examinadora para a edição de 2013 do Prêmio da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur). Dissertação: A Vila Santa Isabel na Avenida Afonso Pena: A experiência positiva da moradia popular em região central de Belo Horizonte. (Itamar Rigueira Jr.)
Tatiana Melo ressalta que a localização de moradia em área central, provida de infraestrutura completa, equipamentos e serviços, garante às famílias oportunidades que se traduzem em acesso a escolas de qualidade, níveis mais altos de instrução e qualificação profissional, e, por consequência, elevação da renda. Um dado que chamou a atenção da pesquisadora foi o bom desempenho escolar e a perspectiva do ingresso na universidade para os jovens: metade dos que terminaram o ensino médio cursa ou já concluiu o ensino superior. “Os conflitos vividos por alguns moradores derivam da infraestrutura precária em parte da Vila e do uso incipiente de drogas”, diz Tatiana. “Mas esses conflitos poderiam ser solucionados ou atenuados se a presença do estado não se limitasse às batidas policiais.”
Há 80 anos a favela Pindura Saia ocupou o morro em torno do reservatório de água do bairro Cruzeiro, à época local distante e periférico. E foi quase totalmente erradicada na década de 70 pela Companhia de Habitação de Interesse Social de Belo Horizonte (Chisbel). Desse processo restaram, além da Vila Santa Isabel, as Vilas Fumec e Pindura Saia, ambas no mesmo bairro.
De Tatiana Soledade Delfanti Melo
Orientadora: Jupira Mendonça
Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo