Se até recentemente a demanda por vagas no ensino superior partia majoritariamente de pessoas de 18 a 24 anos, a tendência para os próximos anos aponta para o fim da hegemonia desse grupo etário nas salas de aula das universidades. Jovens adultos vão dividir espaço com pessoas de faixas etárias mais avançadas em busca de qualificação e reciclagem e com grupos sociais mais diversificados. Doutoranda em Demografia pelo Cedeplar-Face, Raquel Guimarães acaba de retornar dos Estados Unidos, onde fez mestrado em Educação Internacional Comparada na Universidade de Stanford, na Califórnia. O trabalho sobre o ensino superior no bloco Bric foi desenvolvido no âmbito de uma disciplina do curso. Seu objetivo foi iluminar a questão com uma abordagem demográfica, o que ainda é pouco comum em estudos do gênero. “É raro o uso de ferramentas da demografia para analisar tendências de ensino superior em relação, por exemplo, a vagas, matrículas, expansão e demandas”, diz a autora. Ela lembra, por exemplo, que projeções de mercado - como a demanda por engenheiros em países como o Brasil que exigem maciços investimentos em infraestrutura -, tendem a ser feitas sob o prisma econômico, enquanto as implicações demográficas, até mais previsíveis que as econômicas, costumam ser negligenciadas pelos formuladores de políticas públicas. Transição demográfica Lastreada por esse perfil demográfico, a pesquisadora se debruçou sobre as particularidades do ensino superior dos quatro países, traçando uma tendência para as próximas quatro décadas. E concluiu que a pressão sobre o ensino superior nos quatro países não mais será exercida predominantemente por jovens de 18 a 24 anos dado o processo de redução da fecundidade e de envelhecimento populacional. “Há outros fatores. Mais pessoas de faixas etárias avançadas estão retornando às universidades em busca de qualificação, inclusive com o apoio das empresas interessadas em melhorar o seu capital humano”, aponta Raquel Guimarães. Em função desse novo padrão demográfico, que deverá estar consolidado por volta do ano 2050, Raquel Guimarães prevê que empresas e governos terão que lançar mão de estratégias para preencher vagas e diversificar a clientela nos sistemas universitários dos quatro países. “É fato que não haverá mais jovens adultos de grupos tradicionais para ocupar todas as vagas. As faculdades terão que atrair outros grupos sociais e pessoas maduras que queiram complementar sua formação”, argumenta Raquel. Efeitos colaterais A autora adverte para os eventuais efeitos colaterais dessa expansão, que qualifica como “desenfreada”, principalmente em relação ao Brasil. Ela antevê riscos de evasão elevada ou de inserção comprometida no mercado de trabalho daqueles que conseguirem chegar ao final do curso. Embora em franca transição demográfica, o Brasil possui uma população jovem que ainda cresce e precisa de capacitação, na avaliação de Raquel Guimarães: “O momento ainda é propício para se pensar na qualificação da juventude, tendo em vista a janela de oportunidades demográficas. Mas daqui a alguns anos, o país se verá definitivamente diante de questões típicas do envelhecimento, como sistemas de previdência e saúde sobrecarregados”. Raquel Guimarães não chegou a traçar cenários quantitativos. “Os quatro países não dispõem de bases de dados que permitam fazer projeções sistemáticas. O grau de incerteza econômica também é muito grande”, diz ela, justificando a opção por um estudo de prospecção. De volta ao Brasil depois da estada de um ano em Stanford, Raquel Guimarães, que já é mestre em demografia, prepara-se para defender sua tese de doutorado no ano que vem. A partir de ferramentas demográficas, ela desenvolve projeções que envolvem o número de pessoas com ensino básico e superior no Brasil. “É um tipo de estudo que ajuda dimensionar a necessidade de escolas e vagas”, conclui a autora. (Flávio de Almeida)
Esse cenário foi traçado pela demógrafa Raquel Rangel de Meireles Guimarães (na foto de Foca Lisboa), no trabalho What is the future of higher education in the BRIC countries? A demographic perspective (Qual o futuro da educação superior nos países Bric? Uma perspectiva demográfica), que será apresentado na 15ª edição do Seminário de Economia Mineira, em Diamantina, na semana que vem.
Detentores de 40% da população mundial e de territórios que ocupam 30% da superfície terrestre, Brasil, Índia, China e Rússia apresentam curvas demográficas semelhantes, ainda que em estágios diferentes, diz Raquel Guimarães. “A Rússia se encontra em uma etapa avançada do processo de transição demográfica, registrando, inclusive, taxas de crescimento populacionais negativas. A China praticamente concluiu esse processo como resultado da política governamental de controle de natalidade. Já Brasil e Índia, apesar de ainda estarem em transição, também estão envelhecendo em ritmo acelerado”, distingue Raquel.
Outro fator que contribui para mudar o perfil da demanda é o que ela chama de “diversificação social”. A universidade deixa de ser um espaço ocupado somente pelas elites e grupos tradicionais e passa a se abrir para outros estratos. “Esse quadro é marcado por privatização, massificação do ensino superior e abertura de oportunidades”, define a demógrafa. Um cenário auspicioso, em sua avaliação, mas que exige atenção por envolver “pessoas mais vulneráveis, que precisam de financiamento, bolsas estudantis e formação complementar paralela para serem competitivas no ambiente acadêmico e no mercado de trabalho”.
Segundo ela, na China e, especialmente na Rússia, a diversificação da clientela e a incorporação de minorias sociais e étnicas já estão bem adiantadas. “No Brasil e Índia, também existe uma expansão em curso, mas com pouca atenção dedicada à qualidade e à equidade dos grupos incluídos, apesar de iniciativas como o Prouni, no caso brasileiro”, contrapõe a demógrafa.