Bruna Brandão/UFMG |
Eventos como furacões, terremotos, secas e enchentes são frequentemente tratados, tanto pela literatura quanto pela mídia, como desastres naturais. E existe uma corrente que questiona essa classificação, com base na tese de que a dimensão de um evento como esse não depende apenas de um fenômeno natural, mas também de aspectos como dinâmica da população e condições de infraestrutura e urbanização. Por isso é fundamental que os demógrafos se envolvam nos debates e pesquisas sobre o tema, e este é um dos objetivos do artigo Uma proposta de investigação sobre os desastres da natureza: primeiros resultados para o estado de Minas Gerais, 2000-2005, que será apresentado esta semana durante o XV Seminário de Economia Mineira, em Diamantina. “Os desastres ligados a eventos naturais têm ganhado cada vez mais relevância em função das mudanças climáticas, e a demografia tem contribuição importante a dar na análise das causas e impactos dos eventos extremos”, afirma a doutoranda em Demografia Raquel de Mattos Viana, autora principal do artigo. O estudo integra a linha de pesquisa Vulnerabilidade e adaptação às mudanças climáticas, coordenada pelo professor Alisson Barbieri, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da UFMG. O objetivo dessa frente de investigação é criar um índice de vulnerabilidade dos municípios mineiros. O grupo que assina o artigo, composto ainda, além de Barbieri, por um geógrafo e três estudantes da graduação em Ciências Socioambientais, busca os dados em registros oficiais, como os da defesa civil, e reportagens do jornal Estado de Minas. Ao final do estudo, pretende-se reunir informações do período entre 1972 e 2012. “Vamos comparar os dados dos registros e das reportagens. Escolhemos o jornal porque tem grande alcance no território mineiro e circula há bastante tempo”, explica Raquel Viana. Dados desiguais A avaliação das informações coletadas é feita com cuidado, em virtude de algumas limitações. “Alguns municípios não dispõem de um sistema organizado de defesa civil, o que gera certa desigualdade. Além disso, o relatório padrão é bem detalhado mas tem questões abertas, o que o torna um tanto impreciso”, comenta Raquel Viana, que cursou mestrado em Planejamento Urbano e Regional na UFRJ. De acordo com ela, a análise qualitativa deve ajudar a identificar responsabilidades pelos fenômenos. “Se, por um lado, a população atribui a culpa aos governos, por outro o poder público muitas vezes prefere lamentar as manifestações naturais ou condenar o comportamento de moradores que, por exemplo, constroem suas casas em encostas”, salienta Raquel. Os pesquisadores pretendem ainda descobrir a resposta dos gestores a eventos, na forma de programas e iniciativas como os sistemas de alerta contra chuvas em comunidades consideradas de alto risco. “Poderemos também medir o grau de eficiência de políticas, que muitas vezes não têm poder de evitar os desastres, mas atenuam seus efeitos”, ela explica, acrescentando que os danos podem ser classificados em materiais (a destruição de um imóvel, por exemplo), sociais (como uma escola que deixa de funcionar), humanos (na forma de doenças e mortes), ambientais (perdas de espécies da flora e da fauna) e econômicos (prejuízos para a lavoura). Mais desastres, menos mortes De acordo com Raquel Viana, no Brasil as chuvas provocam mais mortes, mas os eventos relacionados à seca afetam mais pessoas, pois alcançam uma extensão territorial grande e prologam seus efeitos negativos sobre a economia. Com relação aos prejuízos econômicos, em geral é mais fácil quantificá-los quando são causados pela seca, pois ela impacta diretamente a atividade agropecuária. Já as enchentes e os deslizamentos, por exemplo, podem prejudicar direta e indiretamente vários setores da economia, total ou parcialmente, tornando mais difícil sua estimativa. A pesquisa desenvolvida no âmbito do Cedeplar se vale de intercâmbio com a Fundação Oswaldo Cruz, com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Esta última publica atlas online que traça panorama dos desastres ligados a eventos naturais no plano nacional e por estado. De acordo com Raquel Viana, esse e outros estudos vão dar base à criação do índice de vulnerabilidade dos municípios mineiros. “O índice será composto de indicadores sociais, demográficos, econômicos, ambientais e de saúde. Na dimensão sociodemográfica, por exemplo, uma área com maior número de crianças e/ou idosos tende a ser mais vulnerável do que outra com maior proporção de adultos”, diz a pesquisadora. Ela ressalta que Minas Gerais registra, assim como todo o Sudeste, mais episódios como deslizamentos que a média nacional, e que é o único estado de sua região com eventos importantes ligados à seca. “É fundamental entendermos melhor a incidência e os impactos dos desastres, também porque, se o Brasil pode ser considerado ‘abençoado’ por não sofrer com terremotos e vulcões, enfrenta outros desastres que causam grandes estragos”, completa Raquel. Artigo: Uma proposta de investigação sobre os desastres da natureza: primeiros resultados para o estado de Minas Gerais, 2000-2005 (Itamar Rigueira Jr.)
Os resultados preliminares confirmam que os eventos ligados ao excesso de chuva estão bem distribuídos pelo estado, enquanto os episódios de seca se concentram no norte de Minas. A repercussão em forma de notícias acaba privilegiando os primeiros – certamente, segundo a pesquisadora, porque enchentes e deslizamentos são os eventos que mais atingem a Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Uma das fontes do estudo que gerou o artigo selecionado para apresentação em Diamantina é a base de dados internacional EM-DAT, elaborada pela Universidade de Bruxelas, em parceria com a ONU. Suas análises revelam que, em âmbito mundial, os desastres têm crescido em quantidade, assim como o número de pessoas atingidas, mas têm causado menos mortes.
Por Raquel de Mattos Viana, Alisson Flávio Barbieri, Mariana Domiciano, Ana Raquel Rabelo, Michelle Darc Brites Queiroz Martins de Oliveira, Francisco Martins Cortezzi