As queixas são parecidas nos dois lados do balcão. Burocracia nas universidades e nas empresas, falta de pessoal qualificado para estabelecer diálogos técnicos, desconhecimento sobre as necessidades das organizações e as atividades desenvolvidas nas instituições de ensino superior. Se as duas partes têm dificuldades históricas para estabelecer uma interação mais profícua, pesquisadores e empresários pelo menos concordam em relação aos gargalos que impedem que os conhecimentos gerados nas universidades possam ser melhor aproveitados pela indústria mineira. No trabalho Dificuldades na interação universidade-empresa: o caso de Minas Gerais, que será apresentado nesta quarta-feira, dia 29, no Seminário sobre a Economia Mineira, em Diamantina, os professores Márcia Siqueira Rapini, da Faculdade de Ciências Econômicas (Face), e Tulio Chiarini, da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), traçaram um panorama dessa interação com base em dados coletados em duas frentes: a Pesquisa Industrial de Pesquisa Tecnológica (Pintec), do IBGE, feita entre os empresários em 2008, e o BR Survey, levantamento que ouviu, em 2009, líderes dos grupos de pesquisa cadastrados no CNPq que declararam manter algum tipo de relacionamento com empresas. Os autores lembram que fatores econômicos – riscos e custos da inovação – continuam sendo apontados pelas empresas como entraves principais aos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento, mas outro fator ganhou relevo entre as organizações que se consideram inovadoras, segundo apontou a edição mais recente Pintec: a falta de pessoal qualificado. “Para as empresas que realizam investimentos na área, esse aspecto já preocupa mais, por exemplo, que a questão do financiamento, que parece melhor resolvida com os programas do governo federal de fomento à pesquisa por meio da Finep e do BNDES”, argumenta a professora Márcia Rapini No estudo, os pesquisadores arriscam duas explicações para o problema: a primeira é a incapacidade das instituições de ensino superior de formar pessoal com qualificação adequada às exigências da indústria, o que se transforma “em gargalo para as empresas que já incorporaram a inovação na sua estratégia”. Entre as cerca de 2,4 mil empresas pesquisadas que se declaram inovadoras, menos da metade (40%) do pessoal alocado em suas áreas de P&D tinha diploma de graduação e apenas 12% possuíam pós-graduação. A outra razão reside no fato de as empresas não remunerarem ou valorizarem os profissionais com maior grau de escolaridade Tradução Mas o diálogo, segundo ela, não fluía satisfatoriamente. “A não ser que o empresário tivesse alguma bagagem acadêmica, com mestrado e doutorado, o que é mais comum nas empresas de base tecnológica. Mas o que ocorria era o empresário de um lado, o pesquisador de outro, usando uma linguagem de difícil entendimento, e um consultor do IEL tentando fazer a tradução”, testemunha a professora. Mestre em Economia pela UFRGS e em Administração da Inovação pela Scuola Superiore Sant’Anna, da Itália, e doutorando em Economia na Unicamp, Túlio Chiarini acredita que essa falta de diálogo é agravada por dois ingredientes: “O desconhecimento das necessidades de cada parte e a existência, nas universidades, de estruturas curriculares defasadas e distantes da realidade produtiva”. Uma das saídas para melhorar esse diálogo, em sua avaliação, é “avançar na integração das políticas de ciência, tecnologia e inovação com a de educação, aproximando as instituições voltadas à formação de pessoal – Ministério da Educação, Capes e CNPq”. Conflitos de interesse também marcam a relação, na avaliação de Márcia Rapini. “Os pesquisadores seguem a lógica da publicação, da submissão dos trabalhos a seus pares, dentro do princípio da ciência aberta. Já o empresário precisa proteger a inovação como fator de competitividade”, compara a professora, que também vê distorções no sistema de inovação brasileiro. “A universidade inventa, mas não é ela quem deve transformar a ideia em produto. Isso é papel da empresa”, avalia, lembrando que o resultado dessa distorção está no fato de que boa parte das patentes de inovação ainda é requerida pelas universidades. Avanços Segundo o estudo, a principal causa desse progresso é justamente o sistema de inovação de Minas Gerais, formado por 13 universidades federais (18% do total), centros técnicos e de pesquisa e uma agência de fomento. Os trabalhos que serão apresentados no XV Seminário sobre a Economia Mineira podem ser consultados aqui. (Flávio de Almeida)
Além de sua experiência acadêmica – ela é professora do Cedeplar desde o ano passado e mestre e doutora em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) –, Márcia Rapini conhece o outro lado do problema. Antes de ingressar na UFMG, ela atuava no Instituto Euvaldo Lodi (IEL), ligado ao Sistema Fiemg, que busca exatamente essa aproximação do setor produtivo com os centros técnicos e de pesquisa, tendo coordenado trabalhos de formulação de projetos de financiamento de pesquisa por meio de editais cooperados com a Finep. Para concorrer aos recursos previstos nesses editais, as empresas tinham que se associar a pelo menos um pesquisador ou grupo de pesquisa de universidade e/ou centro de pesquisa.
O estudo de Márcia Rapini e Túlio Chiarini também revela que Minas Gerais vem ganhando espaço no cenário da inovação nacional na última década. O Estado já é a segunda unidade da federação em número de pesquisadores que publicam em periódicos nacionais e internacionais e em produção tecnológica - softwares, em especial, com 16,5% de participação, atrás apenas de São Paulo, com 21,6%, e à frente do Rio de Janeiro, que em outros tempos ocupava a segunda colocação.