Universidade Federal de Minas Gerais

'Ideia de vida privada é uma ilusão burguesa', diz o filósofo Vladimir Safatle

segunda-feira, 24 de setembro de 2012, às 5h51

Foca Lisboa/UFMG
safatle.JPG“A bipolaridade entre história da filosofia e reflexão filosófica própria é esterilizante.” A opinião é do professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) Vladimir Pinheiro Safatle, que participou da conferência de abertura do 3º Seminário do Fórum de Estudos Contemporâneos da UFMG, realizado na semana passada.

Para ele, o ensino da filosofia nas universidades deve ser feito de forma a evitar a segregação entre o estudo da tradição filosófica e o desenvolvimento de reflexões originais. “Para saber filosofar, não é preciso encarar as ideias do passado como camisa-de-força”, salientou.

Em entrevista ao Boletim, o professor analisou a importância da Filosofia no mundo contemporâneo, a expansão dos limites da identidade humana e a ideia de “privacidade” como uma ilusão do modo de vida burguês.

Como a reflexão filosófica pode nos ajudar a compreender as grandes questões do mundo contemporâneo?
A filosofia é um discurso que o Ocidente desenvolveu para dar conta das expectativas críticas em relação a nossos valores, normas e instituições, em várias dimensões da vida social – como experiência cognitiva, vida ética ou juízo estético.

Nesse sentido, a função crítica da filosofia é cada vez mais premente. Seu discurso é transversal e se distingue de outros tipos de saberes hegemônicos, destoando da imagem hiperespecializada de certas áreas do conhecimento. Essas duas características – possuir longa tradição crítica em relação a valores, normas e processos e apresentar a capacidade de constituir relações – conferem à filosofia um papel fundamental na contemporaneidade.

De que maneira o avanço da ciência e da tecnologia tem alargado as fronteiras da identidade humana?

O corpo passa a ser compreendido como interface de conexão, um terreno de contínua reconfiguração – e não mais como limite de identidade, capacidade, atuação. Essa possibilidade de transformação do corpo em espécie de matéria plástica gera questões fundamentais para a própria vivência do que significa identidade. Intervenções corporais como cirurgias estéticas estão cada vez mais comuns – só para citar um exemplo trivial.

Hoje, já há situações extremas em que é possível a reconfiguração radical do corpo, por meio de implantes e procedimentos dessa natureza. É inegável que isso levanta questões fundamentais a respeito da ideia de identidade, que, como dizia Lacan, está radicalmente vinculada à imagem corporal.

Na abertura do 3º Seminário do Fórum de Estudos Contemporâneos, o senhor discutiu as mutações do que seriam os atributos fundamentais do homem: autonomia, autenticidade e singularidade. Como esses três conceitos se modificam diante da imbricação entre as esferas pública e privada vivenciada no mundo contemporâneo?

Eu diria que a vida privada sempre foi pública. A ideia de contraposição entre a dimensão interior e o âmbito da exterioridade é uma ilusão burguesa. A interioridade sempre foi, na verdade, a internalização de certos processos sociais que tinham perdido seu nome próprio.

Acreditar na existência de uma espécie de vida interior é uma das maiores ilusões das formas burguesas de vida, pois essa noção de intimidade sempre foi falsa. Nesse sentido, acredito que não estamos perdendo muita coisa...

Mesmo considerando todas as formas de vigilância e monitoramento a que estamos submetidos?
Sim, essa é uma outra questão: até que ponto os aparatos de controle conseguem intervir? Aí entramos naquilo que alguns filósofos chamaram de “sociedade de controle”, na qual as dimensões mais recônditas da experiência subjetiva estão em máxima visibilidade. É uma espécie de pan-óptico absolutamente ilimitado. Mas a questão é o controle, e não a perda da intimidade enquanto uma espécie de esteio fundamental da vida dos sujeitos, porque ela nunca existiu.

Como o senhor avalia o ensino de filosofia nas universidades brasileiras?
Há dois pontos a serem ressaltados. O primeiro é a necessidade de formarmos alunos a partir de uma dupla exigência: um bom conhecimento de história da filosofia e a capacidade de articulação entre diversos campos do saber. É impossível alguém estudar estética sem saber nada sobre crítica de arte, como é impossível trabalhar com epistemologia e não entender a respeito de uma ciência empírica, seja ela física, sociologia, psicologia.

Também não se pode desenvolver uma reflexão sobre filosofia política sem conhecer teoria política. Todos os campos da experiência filosófica exigem esse conhecimento de interface – que não temos oferecido a nossos alunos de maneira satisfatória. Esse é um problema grave dentro da nossa formação.

E a outra questão?
A formação filosófica não pode cair numa dicotomia estéril: ou é filosofia ou história da filosofia. Ou tenho minhas reflexões próprias, ou faço comentários filosóficos. Isso é a dicotomia mais absurda que pode existir, porque todo grande filósofo comenta outros pensadores, tendo em vista a constituição de um conjunto de questões da sua experiência intelectual.

Deleuze comentava Spinoza, Nietzsche, Bergson e Hume, fazendo uma articulação profunda entre esses quatro autores completamente distintos, para abordar questões que eram dele próprio. Essa astúcia de articular comentários sobre a história da filosofia com projetos filosóficos singulares é algo que devemos ensinar a nossos alunos.

(Boletim 1791/Gabriella Praça)

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