Bruna Brandão/UFMG |
Os efeitos clássicos são já por demais propalados: de um lado, a sensação de felicidade, paz e relaxamento; de outro, a dependência que, segundo estudos recentes, atinge quase 40% dos usuários. Nos últimos anos, porém, a ciência começou a revelar os novos “baratos” proporcionados pelas substâncias contidas na maconha: seu potencial para tratar os transtornos de ansiedade e apagar as más recordações, a capacidade de proteger o indivíduo contra convulsões e até a possibilidade de combater os efeitos deletérios de outras drogas. Os benefícios dos canabinoides e dos seus análogos produzidos pelo próprio organismo, os endocanabinoides, encorajam cientistas do mundo inteiro a buscar medicamentos e tratamentos para males que afetam o sistema nervoso central. Algumas dessas linhas de investigação serão debatidas nesta quinta-feira, às 16h30, no auditório da Reitoria, na mesa-redonda Drogas e percepção, que integra a programação do 6º Simpósio Internacional de Neurociências da UFMG. As discussões serão mediadas pelo professor Fabrício Moreira, um dos coordenadores do Laboratório de Psicofarmacologia do ICB, que se dedica ao estudo dos efeitos de drogas sobre o funcionamento do cérebro. Embora o Tetraidrocanabiol (THC) seja a principal substância contida na maconha e o maior responsável pelos seus efeitos mais conhecidos, é em outro composto, o canabidiol, identificado pela sigla CBD, que estão depositadas as maiores esperanças dos pesquisadores da área de neuropsicofarmacologia. “Há estudos que indicam que os CBDs inibem os efeitos do THC”, afirma o professor Moreira. Com base nisso, pesquisadores e laboratórios apostam na produção de extrato de maconha com quantidades equivalentes de THC e canabidiol justamente para neutralizar os malefícios da primeira substância. Um dos primeiros medicamentos fabricados a partir dessa combinação é o Sativex, desenvolvido por um laboratório inglês e que teve sua comercialização aprovada no Canadá. Ele é usado no tratamento da esclerose múltipla. Mas os CBDs podem ser bem mais do que neutralizadores dos malefícios do THC. Um dos participantes da mesa-redonda, o professor José Alexandre Crippa, da USP, por exemplo, pesquisa o uso dos canabinoides no tratamento dos transtornos de ansiedade. “Sua atuação é semelhante à do Diazepam, mas sem os efeitos colaterais que ele provoca, como a indução à sedação e a perda de memória”, diz Fabrício Moreira. No momento, conta ele, o grupo do pesquisador da USP avalia a segurança desse medicamento em humanos. Medo condicionado A intenção é chegar a medicamentos capazes de fazer com que o cérebro apague as memórias ruins. Os estudos do pesquisador alemão são desenvolvidos com ratos de laboratório submetidos a experiências traumáticas. “Assim é possível entender como esses animais guardam essas lembranças e testar drogas que poderão fazer com que eles as esqueçam", analisa Moreira. O sistema endocanabinoide está no centro dessa linha de pesquisa. Foi descrito no início da década de 1990, quando ainda não se sabia como a maconha agia no cérebro. “Foram descobertas estruturas no cérebro onde a maconha atua e a existência de uma substância análoga ao THC, a anandamida, a substância da felicidade”, conta Fabrício Moreira. Para ele, a rota a ser seguida envolve “desenvolvimento de substâncias capazes de aumentar os teores de endocanabinoides no cérebro, o que ajudaria a apagar as memórias negativas”. A “maconha do cérebro” também é alvo de pesquisas no Laboratório de Psicofarmacologia do ICB. Orientado por Fabrício Moreira, o doutorando Luciano Vilela estuda os endocanabinoides na prevenção de convulsões epiléticas, em parceria com o professor Márcio Moraes, também do ICB e especialista em epilepsia. “Por meio de intervenções já regulamentadas por comitês de ética, provocamos crises de epilepsia no camundongo e verificamos como esses canabinoides protegem o animal de substâncias que causam as convulsões. Os resultados são bons, batem com estudos produzidos em outras partes do mundo”, informa o professor. Essa convergência anima Fabrício Moreira: “O trabalho do professor alemão segue uma vertente psiquiátrica, ao demonstrar que os canabinoides combatem as fobias sociais. Já os estudos em nosso laboratório apontam para benefícios neurológicos, como no caso da prevenção das convulsões epiléticas”. Até mesmo a dependência e o uso abusivo de drogas estão na mira dos estudos com endocanabinoides. Outra pesquisa de doutorado desenvolvida no Laboratório observa o impacto da geração dessas substâncias para atenuar, por exemplo, o efeito psicoestimulante da cocaína. Intervenções sutis Nessa direção, o grupo da UFMG trabalha, por exemplo, na investigação de mecanismos para retardar a metabolização da anandamida, que é rapidamente eliminada pelo organismo. “O que se pretende é encontrar substâncias capazes de aumentar a vida útil da anandamida, permitindo apagar memórias negativas e evitar crises convulsivas, mas com a preocupação de interferir de forma mais sutil no cérebro”, revela o farmacologista. (Flávio de Almeida)
Outra frente de estudo diz respeito ao papel do sistema endocanabinoide na extinção da memória do chamado medo condicionado, tema da pesquisa do professor Carsten Wotjak, do Instituto de Psiquiatria Max Planck, da Alemanha, também convidado do Simpósio. Segundo Fabrício Moreira, o medo condicionado é provocado por grandes traumas, levando as pessoas a guardar memórias negativas. “Isso ocorre, por exemplo, com soldados que viveram experiências de guerra e com pessoas que sofreram violências”, aponta o farmacologista.
Na avaliação de Fabrício Moreira, o grande desafio para os pesquisadores em psicofarmacologia é tirar proveito das propriedades positivas da maconha e, ao mesmo tempo, contornar os efeitos deletérios gerados por suas substâncias. “Não se trata de usar o THC como medicamento, mas, sim, de se valer dos canabinoides ou aumentar a produção de endocabinoides no organismo”, diz o professor.