Estudiosos e gestores na área de segurança pública e criminalidade estão na situação de quem pilota um avião às cegas, sem instrumentos, enfrentando uma turbulência. Isso se deve principalmente à ausência de dados confiáveis. “Imagine desenhar políticas para a educação, a saúde ou a economia sem contar com informação. É mais ou menos o que vem acontecendo com a segurança pública”, afirma o professor Cláudio Chaves Beato Filho, da Fafich, que lançou o livro Crime e cidades (Editora UFMG). A preocupação com a gestão integrada da informação na segurança pública surgiu há bem menos tempo que em outras áreas, o que Beato atribui à falta de visão de como estruturar um sistema de gestão de dados. Ele lembra que há boas iniciativas – São Paulo, por exemplo, reduziu seus índices de violência –, mas elas são isoladas. “Não existe situação ruim que não comece com falta de informação”, decreta o sociólogo, que coordena o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da UFMG. Crime e cidades reúne e atualiza estudos realizados nos últimos 20 anos, sobretudo pelo Crisp, e procura traçar um panorama nacional em torno do tema – aproveitando o amplo alcance dos estudos do órgão –, embora concentre suas análises sobre o estado de Minas Gerais. Essa preocupação em pensar o país gera a convicção de que a violência tem causas diversas e matizadas nas várias regiões. “Não sabemos exatamente por que se mata, se assalta e se rouba tanto no Brasil, que é provavelmente o país com números absolutos mais elevados de episódios violentos. E ficamos presos a mitos na hora de apontar as causas: o tráfico de drogas e de armas, a pobreza e a desigualdade”, diz o autor de Crime e cidades. ‘Implosão’ da violência “Nossa sociedade tornou-se muito mais urbana, e o crescimento das cidades traz inevitavelmente uma série de problemas associados, entre eles a ‘implosão’ da violência”, destaca o pesquisador, que foi professor visitante em universidades como Harvard e Oxford. O termo implosão alude à concentração da violência em áreas determinadas, que ele chama de hot spots. São regiões deterioradas, desorganizadas, onde impera a segregação espacial, social e econômica, favorecendo o domínio por parte de gangues. “A recomendação óbvia é a alocação de projetos como os de educação integral, promoção da moradia e reintegração dos jovens envolvidos com o crime”, salienta Beato, citando o exemplo do projeto Fica Vivo, adotado na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O livro mostra que o padrão de urbanização característico das capitais da região Sudeste foi copiado pelas maiores cidades nordestinas, que também ganharam seus hot spots. Não por acaso, o Nordeste é hoje a região onde mais se registram homicídios (36% dos casos no país frente a 31% no Sudeste). “Esses números refletem a descapitalização dos órgãos de segurança nos estados do Nordeste, que só nos últimos dois ou três anos passaram a receber mais recursos. E essa explicação contém um paradoxo, já que os investimentos do governo federal no Nordeste vinham sendo incrementados há mais tempo em outras áreas. É preciso lembrar que prosperidade traz violência”, explica Beato. Ao falar da nova publicação, o pesquisador mostra a preocupação de desfazer outro mito: o de que se estuda o bastante no Brasil a questão da criminalidade e da segurança pública. Ele diz que o tema está “pendurado” em campos do pensamento como o Direito e as Ciências Sociais. “Nos Estados Unidos, a criminologia é uma das áreas que mais formam doutores, são 60 cursos espalhados pelo país. No Brasil, ainda estamos à margem das discussões centrais, falta massa crítica”, aponta Beato, que anuncia para 2013 a criação do mestrado em Criminologia na UFMG, em parceria com outras instituições. Livro: Crime e cidades (Boletim, edição 1788/Itamar Rigueira Jr.)
A palavra cidades no título do livro não é à toa. Segundo Claudio Beato, o crescimento acentuado do número de municípios com mais de 100 mil habitantes exige que se preste mais atenção às políticas de segurança pública nesses ambientes.
De Claudio Beato
Editora UFMG
291 páginas
R$ 60 (preço sugerido)