Universidade Federal de Minas Gerais

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Pesquisas com células-tronco renovam esperanças de cura de doenças sanguíneas

terça-feira, 16 de outubro de 2012, às 5h54

As recentes reportagens sobre as potencialidades das células-tronco criaram a sensação de que os estudos nessa área são extremamente recentes e de que, finalmente, a ciência está perto de encontrar a esperada cura para inúmeras doenças. O que muita gente não faz ideia é que essa história é antiga, tendo começado nos anos 1930 com os primeiros estudos com medula óssea. Eles abriram caminho para as terapias que hoje salvam milhares de vidas por ano em todo o mundo.

Mas qual a relação entre as células-tronco e a medula óssea? As células-tronco são definidas pela sua capacidade de se diferenciarem em outras células. Podem ser somáticas ou embrionárias, sendo estas últimas o alvo da polêmica ética, científica e religiosa. Por sua vez, as células-tronco somáticas são encontradas em seres adultos e plenamente aceitas em atividades experimentais.

Embora não possuam potencial de diferenciação comparável ao das embrionárias, são capazes de gerar diversas células específicas. É o que acontece no interior do tutano dos ossos chatos – daí a denominação de medula óssea. Ali, as chamadas células-tronco hematopoiéticas encontram condições propícias para se transformarem nas variadas células sanguíneas, tais como os leucócitos (glóbulos brancos) e os eritrócitos (glóbulos vermelhos ou hemácias).

Não são poucas as doenças associadas ao mau funcionamento da medula óssea e à produção inadequada das células sanguíneas: leucemia, mieloma múltiplo, linfoma e anemia aplástica estão entre elas. Por isso, há pelo menos seis décadas, médicos e cientistas buscam aprofundar os conhecimentos acerca das células hematopoiéticas.

Foi o que possibilitou o desenvolvimento e aprimoramento do transplante de medula óssea, procedimento que trouxe esperança de cura para diversos pacientes. Só no Brasil são realizados atualmente cerca de dois mil transplantes por ano.

As pesquisas nessa área continuam dando frutos. Novidades como o transplante a partir do sangue do cordão umbilical, a possibilidade de uso do procedimento em portadores de anemia falciforme e a descoberta de novas potencialidades das células provenientes da medula óssea têm movimentado a ciência.

Em busca do doador
Segundo o hematologista Evandro Fagundes, do Hospital das Clínicas da UFMG, há duas modalidades de transplante de medula óssea: o autólogo e o alogênico. Na primeira, a medula transplantada é retirada do próprio paciente quando a doença está controlada. No transplante alogênico, utiliza-se a medula de outra pessoa.

Nesse caso, o paciente recebe uma carga mais forte de quimioterapia, com a finalidade de eliminar a sua medula óssea. Em seguida, recebe a medula do doador, por meio de um cateter com ligação venal. “As células- -tronco hematopoiéticas são inteligentes o suficiente para se dirigirem ao tutano dos ossos”, explica Evandro.

O grande desafio é encontrar um doador que tenha compatibilidade com os Antígenos Leucocitários Humanos (HLA, na abreviação em inglês). A busca é facilitada quando o paciente possui muitos irmãos que sejam filhos de mesmo pai e mesma mãe. Nesses casos, a chance de compatibilidade é de 25%.

Por outro lado, a probabilidade de dois indivíduos não aparentados terem HLA compatíveis é de um para 100 mil. Mas as sucessivas campanhas do Ministério da Saúde possibilitaram ao Brasil organizar o terceiro maior banco do mundo, com mais de dois milhões de doadores cadastrados, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Alemanha.

A procura por doadores não aparentados é realizada por meio dos chamados bancos de medula óssea, que cadastram o HLA de voluntários. No Brasil, o Ministério da Saúde lançou, em 1993, o Registro Brasileiro de Doadores de Medula Óssea (Redome). Os pacientes com indicação de transplante são inscritos no Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea (Rereme).

As informações dos dois bancos são cruzadas para encontrar doadores e pacientes com HLA compatíveis. Em caso de insucesso, há sempre a possibilidade de busca também nos bancos internacionais. Entretanto, as chances de um brasileiro localizar um doador em território nacional são 30 vezes maiores que no exterior, devido às características genéticas comuns à população brasileira.

Evandro Fagundes ressalta que todo procedimento médico carrega alguma margem de risco. Mas nesse caso, a possibilidade de complicações para o doador é praticamente nula, sobretudo porque são retirados menos de 10% da medula óssea; em 15 dias, ela já estará totalmente recomposta.

“Já aconteceram algumas complicações, que se tornam casos bastante dramáticos porque os doadores são voluntários dispostos a um gesto altruísta. Mas são situações isoladas, geralmente decorrentes de um procedimento inadequado. Digo que representam menos de 0,01% das doações. O risco, na verdade, existe para o receptor”, garante o hematologista.

Após o transplante, o paciente passa por um longo período de observação, para que os médicos possam reagir rapidamente em caso de complicações. A mais comum delas é a doença do enxerto contra o hospedeiro, que pode surgir mais frequentemente entre o 14º e o 28º dia após a cirurgia.

Trata-se da situação em que as células imunes da medula óssea transplantada reconhecem os tecidos do receptor como estranhos e passam a atacá-los. É a principal causa de mortalidade após o transplante, mas é possível contornar o problema com drogas imunossupressoras.

A passos largos
A disseminação do transplante de medula óssea que se vale de células do cordão umbilical e placentário é uma das novidades dos últimos anos. “São células com nível de desenvolvimento inferior, mais imaturas. Por isso, são mais tolerantes em relação a alguma disparidade no HLA. Há menos rejeição”, explica Evandro Fagundes.

A viabilização desse tipo de procedimento depende da formação de bancos públicos e privados de cordão umbilical e placentário, o que, aos poucos, vem saindo do papel. Em 2004, o Governo Federal criou a Rede BrasilCord, coordenada pelo Inca e que agrega todos os bancos públicos.

Quatro anos mais tarde, em Minas Gerais, a Fundação Hemominas organizou o seu banco, que se tornou o embrião de um projeto mais ousado: o Centro de Tecidos Biológicos (Cetebio), primeira iniciativa no Brasil a armazenar tecidos e células de diferentes origens em uma única estrutura física e organizacional.

O material que compõe esses bancos públicos é coletado na própria maternidade e congelado. A seleção dos recém-nascidos é aleatória e os pais precisam autorizar o procedimento. Todo o material armazenado é disponibilizado para quem precisar e não apenas para o doador do cordão umbilical.

Anemia falciforme
Um novo capítulo da história do transplante de medula óssea dá aos portadores de anemia falciforme o direito de alimentar esperanças de cura definitiva. A doença é transmitida hereditariamente e resulta da deformação das hemácias. Frente a determinadas condições – como baixa tensão de oxigênio e temperaturas reduzidas – tais hemácias tornam-se rígidas, aderindo à parede dos vasos sanguíneos e causando fortes dores. Em quadros mais graves, a doença pode desencadear dificuldade respiratória, aumento do baço e acidente vascular cerebral (AVC).

Em 1998, Minas Gerais se tornou o primeiro estado brasileiro a incluir a anemia falciforme entre as doenças detectáveis por meio da triagem neonatal, conhecida como “teste do pezinho”, já que consiste na retirada de amostra de sangue do calcanhar do recém-nascido em seu quinto dia de vida.

A iniciativa foi possível graças ao desenvolvimento do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da UFMG (Nupad), responsável por examinar todas as amostras coletadas em território mineiro. A partir daí, o diagnóstico precoce permitiu aos portadores da anemia falciforme iniciar cedo o tratamento, capaz de amenizar sintomas e evitar o agravamento da doença.

A novidade é que o Ministério da Saúde está propenso a autorizar o SUS a realizar o transplante de medula óssea para portadores de anemia falciforme em determinados casos. Já existe parecer favorável da Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea (SBTMO).

Segundo Marcos Borato, pesquisador do Nupad, falta definir em quais situações a técnica seria indicada. “Não é uma decisão simples. É um procedimento que pode levar à morte e, portanto, só deverá ser liberado nos casos mais graves”, diz.

O pesquisador relata que os estudos para o transplante de medula óssea em portadores de anemia falciforme tiveram origem nos Estados Unidos e na Europa, onde já havia evidências de que o procedimento poderia ser bem-sucedido. “Nos anos 90, a Itália se tornou referência no transplante para portadores de talassemia, doença genética caracterizada pela disfunção na produção da hemoglobina”, conta Marcos Borato.

Na opinião do pesquisador, existe um componente racial e econômico que pode explicar o fato de os estudos com a anemia falciforme terem demorado um pouco mais. “A talassemia atinge principalmente brancos da região mediterrânea, de classe econômica mais elevada. Já a anemia falciforme tem maior incidência entre populações negras e pobres, com ascendência africana, embora possa estar presente em pessoas de cor branca, bastando que elas herdem o gene com a mutação", contrapõe Borato.

Um dos países pioneiros no avanço dos estudos é a Bélgica. Ali, havia considerável número de imigrantes da República do Congo – antigo Congo Belga – que eram portadores da doença. “O desejo desses africanos de retornarem ao país natal, onde os cuidados de saúde seriam precários, levou médicos belgas a testarem a cura definitiva através do transplante”, relata Marcos Borato.

Desde 2008, 14 portadores de anemia falciforme foram submetidos ao transplante no Brasil. Mas, enquanto não há liberação pelo SUS, só é possível realizar o procedimento por meio de planos particulares ou de investimentos próprios. O custo é elevado, variando de R$60 a R$80 mil.

Até o momento, o SUS só autoriza a cobrir os gastos do transplante para portadores de leucemia, linfoma, mieloma múltiplo, anemia aplástica e algumas outras imunodeficiências. A expectativa é que a anemia falciforme seja incluída nesta lista ainda este ano. “Existem casos em que a necessidade é tão flagrante que não há por que essa decisão demorar. Imagino que haverá indicação para 5% a 10% dos pacientes, geralmente aqueles que podem vir a sofrer AVC ou que precisam submeter- -se a transfusões com alta frequência”, prevê Marcos Borato.

Sangue e nervos
O socorro da medula óssea parece não se limitar a situações que envolvem doenças relacionadas ao sangue. Essa é a aposta de algumas novas linhas de estudo. Desde 2008, pesquisadores do Hospital Universitário São Lucas e do Instituto do Cérebro da PUC-RS (InsCer) experimentam o transplante de células-tronco da medula como método alternativo de tratamento da epilepsia.

Os pacientes têm apresentado resposta terapêutica animadora no que diz respeito ao controle de crises e ao desempenho cognitivo, sem registrarem os efeitos colaterais que costumam caracterizar outras técnicas.

As crises da epilepsia são recorrentes e espontâneas, causadas por atividade intensa, sincronizada e rítmica de células nervosas. “Até 30% dos pacientes apresentam resistência à terapia medicamentosa. Existe a possibilidade de recorrer à cirurgia, mas nem todas as formas de epilepsia podem ser tratadas cirurgicamente e existem riscos de morbimortalidade associados. Dessa forma, a busca por novas estratégias terapêuticas tem sido um desafio para a ciência”, explica o professor Jaderson DaCosta, diretor do InsCer.

Foi preciso quebrar um paradigma centenário para que surgisse uma nova vertente de estudos. Desde o fim do século 19, os cientistas acreditavam que novos neurônios não são adicionados ao cérebro de um mamífero adulto. Só nos anos 1990, experiências diversas reconheceram a existência da neurogênese, processo pelo qual se dá a regeneração celular em partes do sistema nervoso.

A tendência predominante no meio científico internacional é apostar nas pesquisas que envolvem o transplante de células progenitoras neurais ou de células embrionárias. No entanto, tem ganhado força a corrente que acredita num futuro promissor para a terapêutica com células-tronco da medula óssea.

“Experimentos já demonstraram que tais células podem dar origem, in vivo, a células de linhagem nervosa como micróglia e neurônios. Entretanto, além das células hematopoiéticas, são conhecidas outras duas populações de células-tronco da medula óssea: as estromais e as progenitoras endoteliais. E não se sabe ainda qual delas é capaz de expressar um desenvolvimento neuronal”, relata Jaderson DaCosta.

Acredita-se que as células-tronco da medula óssea possam estabilizar a epilepsia por meio de mecanismos biológicos que vão além da reposição celular direta. Elas também seriam capazes de promover a recuperação dos nervos a partir de processos como a fusão celular, a liberação de fatores tróficos e citocinas ou a ativação de mecanismos de regeneração endógena.

“Em nossas pesquisas, animais epiléticos apresentaram redução na frequência de crises que varia de 30% até a remissão quase total”, diz Jaderson DaCosta, ressaltando que ainda está sendo avaliada a segurança do procedimento em seres humanos antes do uso clínico ser liberado.

Manipulação genética
A maioria dos pacientes que se submetem ao transplante de medula óssea são portadores de leucemia, o câncer do sangue. É resultado de uma alteração genética nas células imaturas hematopoiéticas, que tem como consequência uma produção inadequada das demais células.

Segundo Evandro Fagundes, o organismo humano está o tempo inteiro vivenciando situações adversas. “A produção de células defeituosas ocorre frequentemente. A leucemia se configura quando o surgimento delas deixa de ser ocasional e se torna massivo e sistemático”, explica ele. A ciência ainda não é capaz de explicar o fenômeno, mas já existem linhas de pesquisa com esse intuito. “Por enquanto, a medicina só possui meios de combater a doença. Futuramente, quando as causas forem esclarecidas, talvez possamos trabalhar com a prevenção”, enfatiza.

Enquanto a origem da doença ainda é desconhecida, algumas pesquisas voltadas para a manipulação do DNA das células buscam novas formas de tratamento. É a chamada terapia gênica. Um grande passo nessa direção foi dado em agosto de 2011, quando a revista Science Translational Medicine publicou experimento de pesquisadores da Universidade da Pensilvânia no qual foram eliminadas células cancerígenas de portadores de leucemia.

Após retirar dos pacientes certas células denominadas Linfócitos T, a equipe de pesquisadores modificou-as geneticamente e reprogramou-as para que atacassem as células do tumor. Os Linfócitos T manipulados foram reinseridos no organismo dos doentes e exterminaram as células cancerígenas, evitando a sua reaparição por pelo menos um ano. “Em um período de três semanas, os tumores foram eliminados de maneira muito mais drástica que a esperada”, disse em pronunciamento o professor de patologia e coordenador da experiência, Carl June.

Apesar de ainda não haver garantias quanto à viabilidade desse método em longo prazo, as observações permitem aprofundar a busca por terapias menos invasivas que as estratégias tradicionais usadas no combate às doenças hematológicas.

Os linfócitos T modificados promoveram um “ataque cirúrgico” às células cancerígenas, o que é uma grande vantagem em relação à quimioterapia, tratamento com diversos efeitos colaterais. “As células modificadas possuem enorme capacidade de multiplicação, sendo bem eficazes no combate à doença. Os remédios não atingem a mesma eficácia”, assinalou Carl June.

(Revista Diversa, edição 19/Léo Rodrigues)

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