Bruna Brandão/UFMG |
A educação pública sempre foi objeto de debate entre intelectuais, jornalistas, psicólogos, economistas e profissionais de outras áreas, mas não mobilizava professores e pesquisadores da educação com a mesma intensidade. Desde 2007, o projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil 1822/2022 procura inverter essa lógica ao envolver os especialistas na discussão das grandes questões educacionais. Mais uma iniciativa nesse sentido é o lançamento, na semana que vem, de sete livros que abordam a história da educação pública no país. Apesar da visão de senso comum de que a educação pública no Brasil caminha a passos lentos, os professores Luciano Mendes de Faria Filho e Tarcísio Mauro Vago, coordenadores do projeto, afirmam que, nos últimos 50 anos, a área registrou uma expansão sem precedentes na história do país. "Nesse período, colocamos todas as crianças na escola", lembra o professor Luciano Mendes, da Faculdade de Educação, na entrevista abaixo concedida ao Portal da UFMG junto com o professor Tarcísio Vago, vinculado à Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Como surgiu o projeto “Pensar a Educação Pensar o Brasil 1822/2022”? Luciano Mendes: A ideia do projeto surgiu porque percebemos a necessidade de que todos debatessem o tema de educação no Brasil. Teóricos e intelectuais de diferentes áreas sempre discutiram a educação pública, mas os próprios professores e pesquisadores da educação, que têm muito a dizer, estavam sendo pouco mobilizados nesta discussão, o que fazia com que o debate fosse guiado por jornalistas, economistas, psicólogos, artistas e outras pessoas com menor envolvimento e conhecimento da área. O projeto teve início em 2007 e com ele criamos alternativas para ampliar o debate em torno da educação pública, com ações que dessem mais protagonismo e visibilidade aos professores. Assim, desde então, temos um programa na Rádio UFMG Educativa, realizamos a cada ano um seminário com oito conferências sobre educação, já lançamos 20 livros, mantemos um portal na internet e desenvolvemos pesquisas com estudantes de graduação e de pós-graduação dedicadas à história da educação brasileira. Como a educação evoluiu nos últimos 50 anos no Brasil? Luciano Mendes: foi uma expansão diferente da do resto do mundo. Aqui, a partir da segunda metade do século 20, ocorreu um boom no acesso à educação. Em quatro décadas, a área de educação cresceu muito mais do que havia crescido nos séculos passados. Na primeira metade do século XX, tínhamos menos de 50% das crianças estudando. Em quarenta anos, colocamos todas as crianças na escola, com um crescimento da rede escolar e do número de professores. E o que aconteceu na sociedade brasileira para que a educação pública expandisse tão rapidamente? Temos que nos lembrar dos componentes políticos e culturais envolvidos. Foi nesse período que a classe média abdicou do direito à educação pública e migrou para a educação privada. A camada economicamente mais baixa passou a ter acesso a essa educação pública e esse foi um dos motivos do afastamento da classe média. O atual debate das cotas, por exemplo, tem raiz nesse processo de expansão da educação brasileira. Tarcísio Mauro: num primeiro momento, a educação no Brasil aparece quase como uma marca de distinção social para uma elite que, quando não tinha oportunidades de educação no país, mandava os filhos para o exterior. Com a educação se expandindo e contemplando uma classe social até então alijada da escola, a classe média, que não queria “se misturar”, procurou outra saída – as escolas particulares. E a classe média abriu mão não só da educação pública, mas da saúde e do transporte públicos. Sua proposta de sociedade queria a marca da distinção, não a da igualdade. Com essa evolução educacional tardia e divergente do resto do mundo, como o Brasil conseguirá recuperar o tempo perdido? Tarcísio: há muitas conquistas da educação brasileira a destacar. Um dos primeiros destaques que devemos lembrar é o piso nacional para os professores de educação básica por meio de uma lei, aprovada no Congresso Nacional. A ideia do piso, muito mais que o valor em si, é representativa da necessidade de valorização crescente dos professores. Luciano: posso citar outras três conquistas da nossa educação ao longo dos anos. A primeira é o fato de que conseguimos colocar todas as crianças na escola no início do século XXI. A segunda é o fortalecimento da ideia de que, mais importante do que colocar as crianças nas escolas, é mantê-las. As políticas contra a evasão mostraram muito resultado. A terceira conquista refere-se à questão da qualidade da educação. Hoje, há a consciência de que, além de entrar e permanecer na escola, as crianças devem ter ensino de qualidade. Na escola, além do conhecimento das áreas, aprende-se também a convivência, o respeito mútuo. A escola não pode só preparar para o vestibular – se for só isso a experiência fica empobrecida. Na rede privada temos observado um fenômeno de desvalorização da escola como lugar de aprendizagem social, cultural. Mas é preciso insistir e avançar nesta compreensão da escola como um tempo decisivo e precioso de formação para a vida. Tarcísio: outro ponto a ser destacado é o crescimento do equilíbrio na divisão de responsabilidades, com relação à entrada e permanência dos alunos. A responsabilidade não é só mais do aluno ou de sua família. Hoje, há uma exigência social de que o governo precisa ser também responsabilizado pela criação de políticas que ajudem a conter a evasão. Apesar de todas as melhorias educacionais das últimas décadas, as pessoas têm a sensação de que a educação brasileira ainda evolui a passos lentos. Por que isso acontece? Luciano: as pessoas que falam que as escolas da década de 1950 eram melhores que as de hoje esquecem que, nessa época, 90% das crianças não iam à escola. Hoje, o material didático é muito melhor do que no passado. Mas nós estamos ainda com grandes problemas para fazer um ensino de qualidade à altura do que nossas crianças e jovens merecem. Talvez por isso as pessoas achem que a educação não evolui no país. Tarcísio: a questão é que para melhorar mais rapidamente, e permanentemente, a qualidade da educação, muitas mudanças precisam acontecer. O professor, por exemplo, precisa ser valorizado de fato, e não apenas no plano do discurso oficial. Hoje há déficit de docentes em várias áreas, pois as condições da carreira docente não são atraentes. Ele precisa ganhar bem, ter um regime de dedicação exclusiva, com tempo para se dedicar aos estudos, ao planejamento e ao encontro com os colegas para troca de experiências. Já temos muitas escolas públicas de qualidade – o desafio é ampliar essa estatística. O melhor resultado do Enem em Minas Gerais em 2011 foi de uma escola pública. É possível melhorar a educação básica, que vai do infantil ao ensino médio. Mas, para isso, muita coisa precisa acontecer antes. Por exemplo, pressionar o Congresso Nacional a aprovar a destinação de 10% do PIB para a educação, e que o Governo Federal sancione esta Lei. Será um passo importante. A educação é, de fato, a área mais importante para o desenvolvimento do país? Tarcísio: certamente, uma educação de qualidade é decisiva para o país, um direito fundamental da cidadania. Por outro lado, nós ouvimos muito esse discurso da educação como o pilar do crescimento do país, como a solução para todos os nossos males sociais. Mas, por que apostar todas as fichas só na educação? E as políticas de cultura, de lazer, de saúde, de trabalho, de segurança, que são também essenciais? A escola passa a assumir responsabilidades muito além de sua função essencial. A família coloca o filho na escola porque lá ele terá alimentação, segurança etc. É preciso não perder de vista que a escola já tem uma enorme responsabilidade social na formação das pessoas, que é a de garantir o direito ao conhecimento, de mediar o acesso às culturas. Luciano: a educação é apenas um dos pilares do crescimento. A melhor política educacional dos últimos governos foi a elevação do salário mínimo e da distribuição de renda. Isso permitiu que muitas crianças não trabalhassem e pudessem ir à escola. A política educacional pública só é importante no conjunto das outras políticas. Ela não funciona sozinha. (Luana Macieira)