Arquivo pessoal Essa doença genética sem cura e caracterizada pelo crescimento de tumores nos sistemas nervoso e central reunirá médicos, pesquisadores e portadores nesta sexta-feira e no sábado, durante o III Simpósio Brasileiro em Neurofibromatose, que ocorre na Faculdade de Medicina. A promoção é do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG (CRNF) e da Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatose (Amanf). O médico e professor aposentado da Escola de Educação Física Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, o LOR (foto), é um dos profissionais que têm se debruçado sobre os transtornos que a doença provoca, como as desordens auditivas que comprometem o aprendizado escolar dos portadores de sua versão mais comum, a neurofibromatose tipo 1. Nesta entrevista ao Portal UFMG, LOR, que tem uma das filhas com a doença, acredita que a falta de uma representação social dificulta o seu enfrentamento. ”Quando eu falo a palavra neurofibromatose, ela não significa nada para a maioria das pessoas. Elas não sabem o que sentir diante da doença”, analisa. Qual a principal diferença entre os três tipos da doença? Qual é a maior dificuldade que os pacientes de neurofibromatose enfrentam para tratar a doença? Qual o sintoma mais presente nos portadores da NF1, o tipo mais comum da doença? Poderia citar exemplos? Por que o diagnóstico precoce é tão importante? Além dos problemas físicos (tumores, baixa estatura, surdez), com quais outros problemas os portadores de neurofibromatose precisam lidar? Como funciona o Centro de Referência em Neurofibromatose do Hospital das Clínicas? Qual a importância desse trabalho de conhecimento? E como essa representação social pode ser criada? O governo também pode agir. Aqui em Minas há um projeto do Deputado Antônio Carlos Arantes tramitando na Assembleia Legislativa que prevê que os portadores de neurofibromatose tenham os mesmos direitos já garantidos aos portadores de necessidades especiais. Além disso, é preciso criar um Centro de Referência Estadual, com equipe constituída por profissionais contratados pelo governo, pois somos voluntários no CRNF do HC. Tudo isso ajuda a criar a identidade da doença. Se ela não tem cura, e o paciente vai viver com ela para sempre, é preciso viver da melhor forma possível. Quem tem neurofibromatose pode levar uma vida normal e feliz, desde que a conheça bem. (Luana Macieira)
A escassez de informações é a principal barreira enfrentada pelos portadores de neurofibromatose, doença que atinge cerca de 80 mil brasileiros em sua versão mais comum, ainda é pouco conhecida e pode reduzir em até 15 anos a expectativa de vida dos pacientes.
O que é a neurofibromatose? Como a doença se manifesta?
O termo neurofibromatose (NF) denomina um grupo de doenças genéticas caracterizadas pelo crescimento de tumores nos sistemas nervoso central e periférico. Ela ocorre devido a mutações de genes no óvulo, no espermatozoide ou no embrião, durante os processos de fecundação ou desenvolvimento do embrião. A mutação genética pode ocorrer quando nenhum dos pais tem a doença ou quando um dos pais a possui e a transmite para o filho. A neurofibromatose é dividida em 3 tipos: NF1, NF2 e schwannomatose.
Os sintomas e o modo como a doença se apresenta. A NF1 é o tipo mais comum. A pessoa já nasce com a doença, ela atinge uma em cada três mil pessoas e os portadores podem apresentar dificuldade de aprendizado, tumores, distúrbios de fala, baixa estatura e timidez acentuada, entre outros sintomas. A NF2 aparece a partir da segunda década de vida e causa zumbido auditivo e surdez, porque os tumores surgem no sistema nervoso central. Já a schwannomatose acontece depois dos 30 anos de idade e, apesar de não causar surdez nem dificuldade de aprendizado, provoca dor intensa e é de difícil tratamento.
Como os profissionais da saúde não a conhecem muito, por ela ser rara, a primeira dificuldade diz respeito ao diagnóstico. Muitas vezes os médicos e a família não conseguem identificar a doença no filho ou parente. Além disso, a neurofibromatose não tem cura. O paciente pode se tratar por meio de cirurgias que retirem os tumores ou atendimento psicológico e fonoaudiológico que ajudam a superar algumas complicações, mas ele continuará com a doença. Ainda não há remédios que curem as neurofibromatoses.
A totalidade dos pacientes têm desordem do processamento auditivo, ou seja, eles entendem diferente daquilo que escutam. Por exemplo, se a professora da escola diz “a vaca foi para o brejo”, a criança que tem NF1 pode entender “a faca foi para o queijo”. É uma pequena diferença nas palavras, mas que tem consequências cumulativas no aprendizado.
Essa criança sofre na escola, pois é vista como preguiçosa e desinteressada. Se uma criança normal leva uma hora para assimilar um conteúdo, a portadora de NF1 leva três, quatro horas. Ela precisa de mais apoio, paciência, tempo e orientação dos professores. É muito importante que a escola saiba do problema da criança. Por isso muitos pais pegam o diagnóstico do filho no Centro de Referência e o levam para a escola, de modo a explicar o problema.
Quanto mais cedo se descobre a doença, mais fácil será oferecer ao portador as condições de que ele precisa para ter mais qualidade de vida. No caso da NF1, a criança terá a ajuda dos pais e da escola mais cedo. Por isso, é importante que os pais fiquem atentos aos sintomas, principalmente às manchas de cor “café com leite”, com mais de meio centímetro de diâmetro que aparecem no corpo. Se a criança possui cinco ou mais dessas manchas, é sinal de NF1. Na minha família, por exemplo, todos nós temos algumas manchas, então achávamos que as da minha filha eram manchas comuns como as nossas. Só quando ela começou a apresentar dificuldade de aprendizado que procuramos um médico para fazer o diagnóstico.
Quem tem NF1 pode ser tímido nas relações amorosas e afetivas. Podem ser pessoas rígidas nas regras, com dificuldades de lidar com mudanças. Esses componentes psicossociais interferem muito na vida da pessoa, desde a infância até a fase adulta, porque o paciente fica limitado socialmente. Há estudos que mostram até impactos econômicos para a família que tem alguém com a doença. Toda doença crônica e genética traz carga de trauma familiar, o que é muito difícil de ser superado. Em sua fase adulta, a mulher precisa decidir se correrá o risco de passar a doença para os filhos na gravidez, caso sonhe em ser mãe (se um dos pais tem neurofibromatose, a chance do filho nascer com a doença é de 50%).
O Centro surgiu em 2005 e até hoje já atendeu mais de 640 famílias. Assistimos somente pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Muitos médicos conhecem o centro e encaminham seus pacientes para lá. Mais de 50% chegam após consultas na internet e isso mostra como a divulgação da doença é importante. O primeiro tratamento que fazemos é informar o portador a respeito da doença, pois ele precisa se tornar conhecedor dela.
Percebemos que a doença não possui representação social. Quando eu falo a palavra neurofibromatose, ela não significa nada para a maioria das pessoas. Se uma pessoa diz que tem câncer ou HIV, isso gera um sentimento no outro - seja de tristeza, de pena, de aversão. Como a neurofibromatose não tem representação social, as pessoas não sabem o que sentir diante da doença. É preciso criar uma representação social para que ela seja identificada e enfrentada pela sociedade de uma forma própria.
Nós construímos uma identidade para o paciente quando ele encontra os colegas de doença e percebe as diferenças que existem entre eles, as alternativas possíveis de tratamento e como cada um enfrenta o problema. Os grupos de apoio são essenciais e há muitos recursos que podem ser usados, como aconselhamento genético e esclarecimento.